31 de ago. de 2006

Aos porcos, a lama

Achava trágico que uma pessoa possa fazer tão mal a outra e continuar vivendo como se nada tivesse acontecido. Agora, vejo que pode ser pior, o que só confirma aquela teoria de que tudo sempre pode piorar. Além de continuarem vivendo como se nada tivesse acontecido, os vermes gostam de posar de baluarte da moral e dos bons costumes. Não acho mais trágico. Hoje, acho cômico. Principalmente porque todo mundo sabe. Quem pensam que estão enganando?

Pois bem, descobri que enganam. Não é cômico demais? O sujeito posa de bom moço e as pessoas, mesmo sabendo que ele não passa de um verme, aplaudem-no. É engraçadíssimo, sim.

Mas ainda pode ser pior. Sim, pode. Sempre pode. Às vezes, a vítima passa a ser o algoz. "Oh, você ainda pensa nisso? Que mesquinho!"

Não acho mais trágico, não. Acho mesmo uma coisa bem engraçada. Mas, ao contrário dos macacos de auditório, eu não aplaudo, não. Eu sinto é cada vez mais nojo. E estou preparada para o dia em que poderei vê-los chafurdando como porcos, que é o que são, em poças de areia movediça. Podem apostar que, se me for concedida a dádiva, vou ajudá-los a se afundar cada vez mais.

Pareço infantil? Pois me soa melhor do que ser hipócrita, sórdido, monstro, verme, porco. Cada um com seus valores.


bonnie

29 de ago. de 2006

Em Porto Alegre

Olhar a cidade estranha através desta janela,
grande,
sem cortinas,
me comove.
À minha direita,
uma cidade estranha,
pequena,
numa janela grande,
sem cortinas,
me comove.
Faz sol, mas está frio.
Estou longe de casa
como há tempos quero.
Quem dera não precisar voltar.
É como taquicardia - vida e morte.
Nove andares me separam do chão,
mas não me arrisco, por teimosia.
Eu quero ir até o final.
Agora, eu vou até o final.
Sou do tipo que teima com alemão,
com reacionários e
com gente de temperamento sórdido.
Gosto das batalhas perdidas,
das pessoas perdidas,
dos meninos que prestam atenção ao rock
e têm olhos escuros e brilhantes.
Gosto de você.
E como gosto de você!,
que um dia se chama Artur,
outro, João,
e depois, Vinícius.
E hoje... Hoje ainda é o nome de ontem.


mrs. mojo rising

23 de ago. de 2006

Aprendizado

Ele disse que não sabia por que não sabia.
Que não sabia por que não queria sempre.
E eu?
Eu queria, sim senhora.
E falei com todas as letras:
E U Q U E R I A.
E sabia por que queria.

Mas ele deu de ombros.
Não queria sempre, fato.
Mas não sabia por quê.
O que ele não sabia é que não era nada de mais o que eu queria.
Era só uma sinceridade.
Era só um mínimo-saber.
Era só um respeito.
Era que ele quisesse também quando eu quisesse.
E não só quando ele quisesse e eu não pudesse.
Era que não me fizesse sentir assim-como-agora.
Assim para lá.

A verdade é que ele não quis nunca.
E eu, idiota, quis quase sempre, como sempre.
Sabia sempre, como sempre.
Falei tudo sempre, como sempre.
Fui sincera como não se pode ser - monólogo.
Como sempre.


clarissa

21 de ago. de 2006

Coelho Neto

Estive no passado hoje,
a caminhar com medo
por entre os adultos,
a fugir das outras crianças
e dos cachorros.

Adolescente,
vergonha de pôr o biquíni,
de conversar.
Trio óculos-espinha-aparelho.

A casa continua igual,
enorme,
ou fui eu que não cresci?

Finjo melhor agora segurança,
saber o que quero.
Restaram marcas do trio,
mas ganhei um ar de certeza
difícil, luta diária.

Agora me escondo justamente
quando falo e falo e falo
sem parar.
Quando ponho o biquíni
e solto fumaça.
Quando tomo pílulas
e giz.
Quando forço esquecer
e sorrio.
Quando falo de mim
com empolgação.
Quando seguro o choro
na sua frente.

Aprendi a camuflar medo
e vergonha.
Dor, frustração.
Rejeição.
Aprendi a não entender
e deixar por isso mesmo.

Aprendi a amar em silêncio,
a dormir triste e
a acordar cansada.


mrs. mojo rising

17 de ago. de 2006

Os "u" da culpa e o papel

Perceba que não é sempre
esse jeito extrovertido e alegre.
Que nos momentos tristes
há desistência e morte,
atos vis, perversidade.
Maldade.
Mesmo que venha uma cuuuulpa,
tão grande que não caiba na palavra.
Que a repetição de vários "u"
tenta mostrar que é intensa, eterna.
Em vão, pois que
seriam necessários infinitos "u",
tantos "u" quanto houvesse de papel na Terra.
E como papel significa árvore,
tantos "u" quanto houvesse de árvore.
E como árvore significa natureza,
seria preciso destruir a natureza
para ter muito papel,
para poder ficar a vida inteira
escrevendo "u",
para mostrar a culpa
quando se está em momentos
de desistência e morte.

Mas agora,
chegando ao final do meu discurso,
perceba que não faz o menor sentido.
Há tempos não uso papel para escrever.


mrs. mojo rising

7 de ago. de 2006

Não desculpo

Tirando duas frases - "Como o dia que roubaram seu carro deixou uma lembrança" e "É que eu deixei algumas roupas penduradas" -, eu acho essa música linda e perfeita para colocar aqui hoje.

Desculpe, estou um pouco atrasado
Mas espero que ainda dê tempo
De dizer que andei errado e eu entendo

As suas queixas tão justificáveis
E a falta que eu fiz nessa semana
Coisas que pareceriam óbvias até pra uma criança

Por onde andei enquanto você me procurava?
Será que eu sei que você é mesmo tudo aquilo que me faltava?

Amor, eu sinto a sua falta
E a falta é a morte da esperança
Como um dia que roubaram seu carro
Deixou uma lembrança

Que a vida é mesmo coisa muito frágil
Uma bobagem, uma irrelevância
Diante da eternidade do amor de quem se ama

Por onde andei enquanto você me procurava?
E o que eu te dei foi muito pouco ou quase nada

É que eu deixei algumas roupas penduradas
Será que eu sei que você é mesmo tudo aquilo que me faltava?


(Nando Reis)

clarissa

Carta

Às vezes vejo sua cara suja atrás dos postes. Olho para o chão e vejo seus pés deformados dentro de um sapato horrível. Agora posso enxergar sua alma, e ela é a mais feia que já passou por mim.

Ontem comi um pastel que se chamava amor. Engraçado, não é? Eu achei. Amor. Chocolate, morango e castanhas.

Às vezes lembro de tudo e dói agudo por aqui. Bem aqui, forte. Ficou uma cicatriz enorme, muito maior que a da barriga. Quem me dera mil cicatrizes pelo corpo. Acho que as marcas internas latejam para sempre.

Anteontem tive um pesadelo com você.

Às vezes penso que fiquei fechada para certas coisas. As coisinhas bobas de cartas apaixonadas, andar de mãos dadas, fazer planos. Não consigo mais isso, por mais que goste de outras pessoas - e eu gosto, gosto muito de algumas outras pessoas, talvez até haja uma em especial. Mas, por esquecimento ou precaução, deixo para lá.

Semana passada eu senti um medo desgraçado.

Às vezes eu olho para trás. Recaída. Fico triste, como agora, tão triste que chego a chorar e a ficar piegas e a escrever textos ruins como este (não, não é charminho, estou achando ruim mesmo, mas e daí? Necessidade, necessidade, necessidade!!!). Na maior parte do tempo, consigo seguir em frente e não pensar em tudo o que ainda me faz mal, mas às vezes... Às vezes eu olho para trás e fico assim, como estou agora. Fico mesmo assim, triste. Triste-triste-triste. É uma dor bem aqui, sabe? Acho que não. Não, você não sabe.


clarissa