31 de dez. de 2007

Então vem, 2008, vem


"Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira."

(Mário Quintana)

Foto: Eixão, Brasília, manhã de uma segunda-feira de dezembro.

5 de out. de 2007

Evidência

Nervosa, falo mais que o normal,
que já é muito.
Não sei que mecanismos você acessa em mim
para me causar essa espécie de mãos-sem-lugar.
Eu, que normalmente escondo meu medo
com certa facilidade,
me encontro agora perdidamente exposta
diante de suas aparições.
Tento um controle impossível,
finjo ter tudo calculado, seguro e natural,
como se não existisse vontade excessiva de fugir
justamente por querer estar ali para sempre.
Não é difícil perceber, porém,
que meu corpo todo se contorce de pavor.
Mas o pior é que essa percepção
por parte de mim mesma
só serve para intensificar meu tormento.


clarissa

24 de set. de 2007

Com a palavra, um amigo

Eliot e ela

"Abril é o mais cruel dos meses..."
T. S. Eliot

Ela esqueceu de levar o livro de T. S. Eliot naquela noite e, para mim, foi como se tivesse saído sem um agasalho enquanto o frio do inverno grassava lá fora. Foi como se tivesse saído mais sozinha do que realmente estava naquela noite fria de julho, porque era julho. Em quantos julhos ao redor do tempo e do mundo se esquece Eliot sobre uma mesa na sala? Tenho certeza de que ficou, entre ela e o livro, uma espécie de Fio de Ariadne, delicado, prateado, como aquele fio que atribuem aos espíritos que abandonam o corpo ao sabor sono e viajam pelas esferas.

Em que esfera ela viajava então sem aquele livro bilíngüe? Quando fechamos um livro bilíngüe e a página em inglês fica colada à página em português... será que elas se falam nos seus tantos idiomas? Será que elas trocam de letras e pontuação e brincam nos campos vastos da linguagem? Será que se reconstroem em poemas jamais escritos ou lidos? Então imagino Maria Cristina vagando por aí, com o vazio do livro que ela esqueceu, e pergunto: que tipo de acesso, Maria Cristina, podemos ter aos livros fechados? Às fábulas que se desenrolam dentro deles?

O homem, que criou tantas coisas, não criou a máquina de ler livros fechados. A máquina que me permitiria ver agora dentro do livro fechado de T. S. Eliot e ler que pensamentos ele tem a teu respeito, Maria Cristina, você que o esqueceu aqui. Ver se ele está misturando suas letras e escrevendo cartas tristes para você ou se, através do fio transparente que liga você a ele, estará te chamando de volta, para dentro de seu coração de livro fechado.

Já não é abril, Maria Cristina, e julho é um mês generoso, de olhar terno. No frio da noite que já transita para o dia, que se abrirá em fina neblina, abro o livro que você esqueceu aqui e leio os versos de sempre, que sempre encontro ao abri-lo e sei que já não são os mesmos. Sei que agora eles falam contigo numa linguagem cifrada, embaralhada, que só você compreenderá quando finalmente voltar para buscá-lo. Porque cada poema agora é um chamado, um apelo que se dirige a você. Recolha o fio lentamente, Maria Cristina, com o cuidado que pedem os cristais, que ao fim dele haverá uma lacuna a ser preenchida.


Antonio Castro
para Maria Cristina
julho de 2007

22 de set. de 2007

O pulo

Não tinha motivo, mas a vontade veio de um jeito como se tivesse nascido para fazer aquilo. Eram cinco da manhã, desde três acordada, uma insônia de séculos, cigarro não, parara de fumar. Água, água, muita água. Xixi, xixi, xixi. Andando na ponta dos pés como se isso evitasse barulho, como se a ponta dos seus pés não fossem tão duras quanto o salto do sapato.

Um dia antes, pensou tanto nele que viu seu rosto em muitos lugares, atrás da árvore, no cachorro da vizinha, no moço do filme ruim, no garçom, no asfalto, onde as rodas dos carros tropeçavam, os buracos da cidade grande província que é o Rio de Janeiro transformando-se no rosto daquele que era o escolhido de então, o mais especial, o mais inesperado, o mais merecedor de um amor guardado há tanto tempo para quem o mereça, para quem faça seu coração se recompor.

E agora, ali, sem conseguir dormir, a casa inteira falando com ela, a geladeira abrindo a porta como boca, as janelas eram grandes ouvidos, uma orquestra tocando dentro da cabeça e, apesar de tudo, nunca se sentira tão lúcida. Não tinha motivo, e incomodava-lhe aquela idéia tão clichê, tão comum, tão mais do que tanta gente pensa, não só na literatura, na vida real mesmo, na vida de todo mundo.

Mas a vontade era imensa, era inteira, era ela dominada, era uma vontade anterior a sua própria existência, e nem o rosto que surgiu na sua frente, nem o grito do rosto do amor que há tanto esperava, que tanto a acalmava, conseguiu segurar o seu pulo fenomenal. Para cima, para o alto, para as nuvens, embora a realidade tenha mostrado o contrário.


mrs. mojo rising

12 de set. de 2007

Ecocardiograma

Deitei na cama que me foi desnecessariamente - era a única do recinto - indicada. Uma coisa melequenta no meu peito fez surgir, num computador, meu coração. Em alguns momentos, era possível ouvir seus batimentos, acelerados, nervosos, sem ritmo. Diferente do tum-tum que se ouve quando se lhe põe o ouvido. Não no nosso próprio, claro, mas me parece que, no quesito som, todos os corações são iguais.

Estranhei também o aspecto do bichinho. Esperava encontrar muitas rachaduras, espaços vazios, cortes e cicatrizes profundas, verdadeiros buracos. Desculpem o clichê, mas, apesar de entender que tudo se processa no cérebro, sei que meu coração não é mais inteiro como quando nasci. O resultado do exame não mostrou problemas, tecnicamente meu coração está perfeito. Mas a verdade é que a máquina - a nossa e a da medicina - ainda é falha.


"Coração que bate-bate...
Antes deixes de bater!
Só num relógio é que as horas
Vão passando sem sofrer."
(Mario Quintana)

mrs. mojo rising

26 de ago. de 2007

Sensacional

Visitem o blog Cansei - Tô cansadinho... Movimento cívico e apolítico para tomar o poder com oportunismo.

Vejam este post como exemplo:

"Domingo, 26 de Agosto de 2007

O 'CANSEI' E O DEBATE COM AS CRIANÇAS

Nosso grande amigo, irmão e almofadinha João Dória, o Dorinha, deu entrevista à Veja na qual revelou que promove debates com seus filhos, a caminho da escola.

Claro que a molecada dorme durante as "lições", mas isso é de somenos importância. Chegou a hora de revelar o que nós todos, do "Cansei", falamos com nossos filhos. Nós também fazemos debates com os petizes!

Vejam alguns exemplos:

João Dória Jr.
Temas: Aproveitando acidentes aéreos para fazer movimentos oportunistas; Da importância de arrecadar fundos para campanhas derrotadas; A arte de esconder do povo o fato de ter presidido a Embratur bem no Governo Sarney; Da máxima importância do gel de cabelo.

Zottolo
Temas: Da insignificância do Piauí; Como usar os encontros em Comandatuba para arrumar um emprego melhor; Como arruinar o pouco que restava de um movimento apenas dando uma entrevista; Como DIMINUIR a vendagem de TVs bem em ano de Copa do Mundo.

D'Urso
Temas: Defendendo os bispos Renascer e conseguir, a um só tempo, queimar o próprio filme e ainda por cima não impedir que os clientes sejam presos; A arte de criar argumentos e tergiversar com maestria, principalmente quando se defende um rapaz rico que estuprou uma menor de idade que vendia doce no semáforo; Como fingir indignação com a corrupção, mesmo ganhando muito dinheiro com esse tipo de cliente.

Jesus Sangalo
Temas: Como ficar rico explorando o talento da irmã; Como usar a própria irmã - que é contratada da Philips - para emprestar a própria fama a um movimento criado pelo contratador.

Regina Duarte
Temas: Como fazer parte da campanha de um candidato a prefeito (FHC) e associar o adversário (Jânio) a Adolf Hitler; Como fazer parte da campanha de um candidato a presidente (Serra) e disseminar o pânico na população; Como fazer cara-de-cu em cartazes de movimentos oportunistas;

Hebe
Temas: Como apoiar Maluf durante décadas e, agora, apoiar o "Cansei"; Como levar uma vida luxuosa e ainda assim se dizer "cansada"; Como receber cachê para subir em palanques e fazer carinha de indignada.

Reinaldo Azevedo
Temas: Como ser cooptado por um ex-ministro (Mendonção), afastado por acusação de manipular uma licitação (telefonia), e fazer parte de uma revista pró-Governo (FHC); Como só conseguir manter uma revista (Primeira Leitura) com dinheiro público (Nossa Caixa) e ter que fechá-la assim que o governo (Alckmin) corta a verba; Como lamber as bolinhas dos editores da revista na qual escrevo; Como corrigir o Português alheio, mas cometer erros idiotas, dignos de quem não tem um mínimo de conhecimento gramatical (como a vírgula do vocativo, entre outros tropeços sofríveis).

Mayara Magri
Tema: Como ressuscitar."

bonnie

21 de ago. de 2007

A arte de dizer sem dizer

Já sei que tantas vezes vale mais calar do que gritar, que, calando-se, fala-se muito melhor. Mas que coisa difícil para alguém que não se agüenta!!! Vai lá, Fernando Pessoa, poeta da minha infância graças a meu pai: tenta de novo.

(Quem lê Fernando Pessoa em criança não pode dar em coisa melhor mesmo, não é? Sorte ainda não ter nem tentado me matar. *rs*)

"Não: não digas nada!
Supor o que dirá
A tua boca velada
É ouvi-lo já.

É ouvi-lo melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das frases e dos dias.

És melhor do que tu.
Não digas nada: sê!
Graça do corpo nu
Que invisível se vê."

mrs. mojo rising

12 de ago. de 2007

Rock do avião

Eu queria ter dito que
senti mais medo de você
do que do avião,
me angustiou mais sua presença
do que a turbulência,
me arrepiou mais
conversar, ouvir música e
brincar de forca com você
do que o pouso da aeronave.

Mas não disse.


clarissa

6 de ago. de 2007

Anulalá!!!

Um artigo para aqueles que ainda acreditam nessa ala do PT que ocupa a presidência há mais de quatro anos.

(Bem, para alguns, não se trata de crença, mas de uma questão de benefícios, que às vezes se resumem a um simples carguinho dentro de uma DS da vida. É, tem gente que se vende por pouco mesmo.)

Ah, e para aqueles que são burros ou agem de má-fé, um lembrete: criticar o PT não significa elogiar outro partido, ok? Daí, inclusive, vem o título deste post.


O REENCONTRO TARDIO DE LULA COM GETÚLIO
No plano sindical, o lulismo se reencontrou com Getúlio. Vamos ver quais centrais vão recusar mais esse canto de sereia do neopeleguismo


Lula aflorou no sindicalismo como criação da estrutura sindical getulista. Tornou-se dirigente dos metalúrgicos por contingência. Em pouco tempo se converteu em seu antípoda: liderou greves, confrontou o sindicalismo oficial, deixou aturdido o peleguismo, ajudando a virar uma página do velho sindicalismo.

Mas a história dá muitas voltas: no poder, não foram poucas as desconstruções de Lula. Em seu primeiro mandato, taxou os aposentados e privatizou a Previdência pública. Abriu os fundos de pensão para a volúpia da cúpula sindical ávida por mais recursos. Ameaçou desmontar a legislação trabalhista, medida que só foi evitada pela derrama causada pelo mensalão.

Mas voltou com fôlego em seu segundo mandato. Seu governo prepara dois projetos que selam seu reencontro com o velho getulismo sindical. O primeiro, resultado de negociações em curso com as centrais sindicais, amplia o nefasto imposto sindical: cada uma delas vai abocanhar 10% do velho "imposto" que todos os trabalhadores são obrigados a pagar, quer concordem ou não.

Do total dos recursos arrecadados, ficam 60% para os sindicatos, 15% para as federações, 5% para as confederações, 10% para a "conta especial emprego e salário" do governo, além de 10% para as centrais sindicais, conferindo nova vida ao mostrengo criado por Getúlio Vargas no auge do Estado Novo. Alguns cálculos falam em mais de R$ 120 milhões, volume capaz de aumentar em muitas vezes o orçamento das centrais legalizadas pela mesma medida.

Enfeixa-se, então, o processo de cooptação e estatização dos sindicatos: a busca da aparente "independência" financeira custará a perda cabal da autonomia sindical. Sela-se o caminho da "servidão sindical voluntária", iniciada por Getúlio e concluída pelo Inácio. Se isso não bastasse, o governo Lula está preparando outra medida que restringe duramente o direito de greve dos funcionários públicos. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, já fez várias referências ao perfil da proposta que está sendo urdida nos gabinetes ministeriais.

Para que se tenha uma idéia do tamanho da investida, vale recordar que a Câmara dos Deputados já preparou um substitutivo ao projeto de lei nº 4.497, que trata da temática. Ele determina que, uma vez aprovada a greve, os sindicatos ou comissões de negociação deverão comunicá-la com antecedência mínima de 72 horas, além de garantir a presença de pelo menos 45% dos servidores no trabalho. Ocorrendo "abuso", o sindicato ficará sujeito a multa de até R$ 30 mil por dia de paralisação. E mais: quando não houver entidade sindical representativa dos servidores públicos, a assembléia geral deverá contar com a presença de pelo menos 50% dos integrantes da categoria.

O absurdo aqui é ilimitado: nos áureos tempos das majestosas assembléias dos metalúrgicos do ABC, no estádio de Vila Euclides, presenciávamos até 60 mil participantes. Se esse projeto de hoje fosse vigente àquela época, tais assembléias teriam que reunir mais de 120 mil participantes para serem consideradas legais.
Ainda que se trate de exemplo do ramo privado, a similitude é suficiente para mostrar o despropósito. Há aqui alguma ressonância da famosa lei antigreve de Margaret Thatcher, a "dama de ferro" do longo inverno do sindicalismo inglês.

Se na economia o lulismo foi antigetulista, convivendo bem com a pragmática financista dominante, no plano sindical, se reencontrou com Getúlio Vargas. Aliás, tudo no lulismo parece exacerbado: a regressão da economia, a degradação do setor público, com a recente proposta de "celetização" e conseqüente precarização dos trabalhadores dos hospitais públicos. Ou ainda a soberba do líder, que quer "magnetizar" as massas mais vilipendiadas e que não conseguiu entender as trepidantes vaias que recebeu no Rio de Janeiro, na abertura do Pan, quando imaginou poder usar o palanque esportivo para viver mais um momento de regozijo. Acabou recebendo o vilipêndio e ficou no prejuízo.

E as vaias continuam ressoando mesmo em seus giros pelo Nordeste, dada sua fuga do Sul e Sudeste.
Vamos ver, então, quais centrais vão publicamente recusar mais esse canto de sereia do neopeleguismo lulista?

Ricardo Luiz Coltro Antunes, 54, é professor titular de sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e autor, entre outros livros, de "O que é o sindicalismo" (Brasiliense) e "O novo sindicalismo no Brasil" (Pontes).

bonnie

24 de jul. de 2007

Homem é fundamental

Estava lendo umas comunidades de orkut por aí e me deparei com aquela máxima de que mulher não precisa de homem. Ah, gente, quequeisso!!! Não sou gay, portanto, preciso de homem, sim. Que me perdoem as feministas, mas aquilo que eles carregam entre as pernas é fundamental.

Tudo bem que muitos não sabem usar, que às vezes a gente até esquece o que está fazendo ali, fica com vontade de fazer as unhas, de terminar o trabalho da faculdade ou continuar lendo o García Márquez, muito mais excitante. Mas isso não pode servir para desmerecer toda uma categoria, não é? Até porque, atualmente, eles vêm se esforçando tanto, tadinhos. Reparem só como eles gostam quando a gente gosta, como se preocupam com nosso prazer. Tudo bem que muitas vezes é apenas para se sentirem o máximo, mostrarem como são bons, machos e talz. Mas e daí? O importante é que sejam realmente bons, certo? O importante é que nos satisfaçam, ora bolas*. E a gente a eles, também, claro, não quero parecer insensível. Longe de mim!!!

Depois eles podem virar um cheeseburguer ou, em tempos de dieta, um sanduíche de tomate seco com ricota ou, ainda, um cigarro. Não importa o que podemos fazer com eles depois. Alguns, pasmem, possuem finalidades fora da cama (e eu não estou falando de abrir o pote de azeitona), mas talvez uma amiga tenha o mesmo efeito. Nesse caso, não posso ser tão enfática quanto à necessidade do homem. Mas no antes, no orapoispois, no quebonitoé, no vemquevemquevemquicando, no mostraoseuqueeumostroomeu, têm de ser eles, minhas amigas, têm de ser eles. Para quem não é gay, claro.

*Eu juro que o trocadilho não foi proposital. Eu juro.

bonnie

16 de jul. de 2007

Obrigada, Sophia...

...por me trazer à realidade vez em quando.

"Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo.

Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa."

clarissa

Momento musical I

Não curto muito as opiniões faladas de Caetano Veloso, mas sempre fui fã de sua música. Ele, Gal Costa, Gilberto Gil, Ariano Suassuna (quando entra naquela chatice nacionalista), entre outros, deveriam falar menos e exercer mais seus ofícios. O último cd de Caê, o "Cê", está sensacional, uma graça mesmo. A música abaixo é a minha preferida do momento e virou aquela que eu escuto mais de vinte vezes por dia (eu sempre tenho uma obsessão musical). A letra é linda, mas acho que a música é ainda mais.

"Eu não me arrependo de você
Você não me devia maldizer assim
Vi você crescer
Fiz você crescer
Vi cê me fazer crescer também
Pra além de mim

Não, nada irá nesse mundo
Apagar o desenho que temos aqui
Nem o maior dos seus erros
Meus erros, remorsos, o farão sumir
Vejo essas novas pessoas
Que nós engendramos em nós e de nós
Nada, nem que a gente morra
Desmente o que agora chega à minha voz"

clarissa

Fora da agenda

Hoje não foi um dia bom, mas isso não é raro para alguém com desejos maiores do que o físico. Ando com uma dor-de-cabeça braba, e sei por quê: muita coisa a fazer. Quanto mais o tempo passa, mais aumenta minha sensação de perda de tempo. Correr contra esse sujeito não é fácil. Tenho dormido mal e andado muito para que tudo caiba na agenda, para que os lembretes possam ser ticados com prazer. A melhor parte do meu dia é quando, à noite, pego minha agenda, tico meus lembretes, ligo o som e acendo um cigarro. Dever cumprido, e nem todos do tipo chato. Alguns eu quis ter, eu me dei, vão me levar além do chão, vão me fazer unir desejos e físico. É com esses que, de fato, me preocupo, são esses que me dão prazer em cumprir.

Ele não se aplica a isso, porém. Não se encaixa em nenhum dos tipos de dever. Ele não é um dever, afinal. Não o marquei na agenda para ser ticado à noite antes de ligar o som e acender o cigarro. Por que me preocupo agora? Admito ter cometido ilusões de que poderia me ajudar na luta contra o chão, mas não a ponto de transformá-lo numa meta para a semana. Aliás, ele atrapalha a minha semana, minha agenda, me exige mudança de planos, me provoca adaptações. Estou acostumada a ser só, e a não ser só apenas quando quero (quando quero não ser só. Também poderia ter dito "quando não quero" - quando não quero ser só).

Se tomo decisão contrária à razão, portanto, é porque tenho outras razões, razões de outra natureza, tão subjetivas que chegam a ser incompreensíveis. E, sendo incompreensíveis, não há mais motivo para continuar escrevendo sobre este assunto. (Embora desconfie de que todo mundo saiba do que estou falando. Mas, se todo mundo sabe, eis outro motivo para encerrar esta prosa.)


clarissa

"Com você eu tenho medo de me apaixonar
Eu tenho medo de não me apaixonar"
(Caetano Veloso)

28 de jun. de 2007

25 de jun. de 2007

Os grandes* I

Ela teve que fazer um esforço sobrenatural para não morrer quando uma potência ciclônica, assombrosamente regulada, levantou-a pela cintura e despojou-a da sua intimidade com três patadas, e esquartejou-a como a um passarinho. Conseguiu dar graças a Deus por ter nascido, antes de perder a consciência no prazer inconcebível daquela dor insuportável, chapinhando no lago fumegante da rede que absorveu como um mata-borrão a explosão do seu sangue.

Três dias depois, casaram-se na missa das cinco.

(...)

Na noite de núpcias, Rebeca teve o pé mordido por um escorpião que se metera nas suas pantufas. Ficou com a língua dormente, mas isso não impediu que passassem uma lua-de-mel escandalosa. Os vizinhos se assustavam com os gritos que acordavam o bairro inteiro até oito vezes por noite, e até três vezes durante a sesta, e rogavam para que uma paixão tão desaforada não fosse perturbar a paz dos mortos.


(Gabriel García Márquez - Cem anos de solidão)

*Esse trocadilho ficou ótimo!!! :)

bonnie

18 de jun. de 2007

Salvação

Eu o tive a meus pés. O homem que rezava pela minha alma com o medo de criança, de quando se escondia de Deus atrás da cortina da sala; com a sacralidade de quando velava um bichinho que ele mesmo matara; com a tristeza do dia em que a mãe, vinda da Idade Média de um Portugal salazarista, lhe comprou um sorvete com o troquinho da feira e o guardou no armário, sem saber que tal matéria derretia. Pensava poder me salvar. Acendia velas, uma por dia, depois duas, depois três, quatro, cinco, até chegar ao número de vinte. Vinte velas por dia pela salvação de minha alma.

Eu o tive a meus pés, não porque fizesse todas as minhas vontades, atendesse aos meus mais ignóbeis caprichos, caprichos de quem se sabe perdida para sempre. Eu o tive a meus pés porque tantas e tantas vezes me acompanhou na febre da madrugada, me aquecendo, escutando meus delírios que às vezes se voltavam contra ele próprio. Eu o tive a meus pés porque negou outras mulheres. Porque preferiu estar comigo até o fim a se aventurar com fêmeas mais bonitas, mais fáceis, mais saudáveis. Porque perdeu um tempo precioso de sua juventude me amando como um homem deve amar uma mulher e uma mulher deve amar um homem, com intensidade e sinceridade, com entrega e sacrifício. Eu o tive a meus pés porque, para me salvar, foi capaz de se curvar até o chão com dignidade, até o nariz tocar o chão, até seus lábios beijarem meus pés, com a humildade dos sábios e a coragem dos justos.

Um dia, porém, pedi para o homem que tive a meus pés partir, que minha luta involuntária era mais forte que a dele, não havia chance de salvação. Sempre estive em guerra contra o desconhecido, meu inimigo invisível era o que me movia, é o que me move. Ele foi, justamente por ser um homem capaz de estar com hombridade aos pés de alguém. Jamais ficaria se não fosse bem-vindo. Acreditava que ninguém pode ser salvo se não o desejar, se não confiar. Desejar, desejei, com todo o meu corpo, toda a minha energia, toda a minha febre e loucura. Mas nunca, em tempo algum, consegui obter a fé necessária.


mrs. mojo rising

Pausa nas pretensões literárias VI

Acabei de conhecer certamente um dos homens mais bonitos do mundo, um norueguês que se parece com o Johnny Depp. E ele puxou assunto comigo!!! Mas estávamos num ônibus e eu tinha de saltar logo. Aiaiai, a vida vale a pena, minha gente. Ah, se eu morasse na zona sul... Aiaiai.

bonnie

16 de jun. de 2007

Pausa nas pretensões literárias V

Tem gente que, em momentos de lazer, assiste a algum esporte ridículo na TV. Eu prefiro participar de discussões ridículas em comunidades do orkut. A última delas foi sobre moda. Os meninos do IFCS (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ) reclamavam que as meninas do IFCS se vestem mal. Perguntei o que é se vestir bem. Alguém disse que a mulher, entre outras coisas, tem de estar cheirosinha. Perguntei se estar cheirosinha é usar perfume. E daí comecei uma odisséia contra o perfume. Sim, eu odeio perfume. Vou colocar aqui um resumo das minhas opiniões sobre o assunto.

Eu odeio perfume. Acho brega, cafona, desnecessário. Coisa de francês, que não costuma tomar banho (reparem na vírgula, reparem na vírgula). Acho enjoativo ficar com o mesmo cheiro por horas a fio. Às vezes me dá alergia, além de misturar com o cheiro do shampoo, do sabonete e do desodorante. Aliás, desodorante, prefiro os sem cheiro. Se existisse sabonete sem cheiro, também iria preferir. Só para o shampoo é que abro uma exceção.

Quando eu era adolescente, tinha um perfume que os meninos costumavam usar na "night" que me deixava muito irritada, acho que era o Dimitri. Primeiro porque eu já não gostava de perfume. Segundo porque quase todos usavam o mesmo. Quer coisa mais cafona que isso? Mas o pior de tudo são aqueles caras que deixam um frasco no carro. O sujeito fica o dia inteiro na rua, tasca aquele troço fedido nos pulsos e no pescoço para a "night" e acha que ficou com cheiro de botão de rosa. É cafona demais.

Também tem aquele que tomou banho e passou o perfuminho em casa, mas antes de saltar do carro, tasca mais um pouco do frasco que deixou no porta-luva. Se bobear, no meio da noite, tasca mais um pouco. Arght. E quando mistura com suor, então? Deusmelivreeguarde.

Na discussão, me perguntaram a origem desse ódio. Ora bolas, se eu dissesse que não gosto de beterraba, alguém me faria essa pergunta? Que gente mais chata, que não aceita opinião contrária. Não disse que quem usa perfume tem de morrer. Nem disse que quem usa perfume é cafona. Eu disse que acho cafona o uso do perfume. Mas tenho a impressão de que quase ninguém entendeu a sutil diferença.

Outro disse que me daria uma caixa de perfume para tentar acabar com meu "trauma". Aiai, trauma. As pessoas têm mesmo dificuldade em aceitar opiniões contrárias. Depois eu é que sou radical. Bem, eu aceitaria a caixa com prazer. Poderia dar para minha mãe ou amigos ou, então, aderindo totalmente ao mundo capitalista, poderia revender. Mas aí eu vou querer importado, que é mais caro.

Atualmente, meu ódio está até menor, porque meu olfato, por conta da rinite alérgica e do cigarro, tem piorado. Por isso, quando sinto cheiro de perfume em alguém, fico imagino como a pessoa não deve estar fedida!!!

Uma vez, um ex-namorado me deu um perfume, nem me lembro o nome - do perfume, do namorado ainda lembro, infelizmente. Era início de namoro, fiquei sem graça de dizer que não gostava do troço. Aliás, acho que nunca cheguei a dizer. De vez em quando usava, para fazer um agrado. Mas a parada estragou antes de acabar. O namoro também.

bonnie

Pausa nas pretensões literárias IV

"Quem viaja muito no mundo às vezes volta decepcionado com a imagem que se cria do Brasil lá fora. O Brasil é um país tão sui generis que talvez seja o único em que os brasileiros viajam para fora e falam mal do Brasil. Você não vê um suíço falar mal da Suíça, você não vê um italiano falar mal da Itália. Mas os brasileiros adoram. Nós é que temos que cuidar da nossa imagem." - Lula.

Fonte: Folha de S. Paulo.

Sem comentários.

Não, um comentário: estou torcendo para que o Cristo não fique entre as sete maravilhas do mundo.

bonnie

10 de jun. de 2007

Pausa nas pretensões literárias III

Lindíssimas

Caye (Candela Peña)

Zulema (Micaela Nevárez)

"Princesas" - Fernando Leon de Aranoa ("Los lunes ao sol")


Me llaman calle, pisando baldosa
La revoltosa y tan perdida
Me llaman calle, calle de noche, calle de día
Me llaman calle, hoy tan cansada, hoy tan vacía
Como maquinita por la gran ciudad
Me llaman calle, me subo a tu coche
Me llaman calle de malegría, calle dolida
Calle cansada de tanto amar
Voy calle abajo, voy calle arriba
No me rebajo ni por la vida
Me llaman calle y ése es mi orgullo
Yo sé que un día llegará, yo sé que un día vendrá mi suerte
Un día me vendrá a buscar, a la salida un hombre bueno
Pa toa la vida y sin pagar, mi corazón no es de alquilar
(...)
A la puri, a la carmen, carolina, bibiana, nereida, magda, marga,
heidi, marcela, jenny, tatiana, rudy, mónica, maría, maría
(...)



Si la vida te da más de cinco razones para seguir
Si la vida te da más de cinco rincones para dormir
Si la vida te da más de cinco millones para morir
Se fuerza la máquina de noche y de día
Se fuerza la máquina de noche y de día
Si la vida te da más de cinco cabrones para aguantar
Si la vida te da más de cinco lecciones para no seguir
Se fuerza la máquina de noche y de día
Se fuerza la máquina de noche y de día
(...)


(Manu Chao)

mrs. mojo rising

2 de jun. de 2007

Loucura

Sob a lua cheia,
depois de tantas horas,
tantos dias,
meses,
anos,
sem razão para um sorriso sincero,
a morte a espreitar por trás dos carros,
as palavras ferindo os rins,
a angústia descendo com o álcool,
saindo com a fumaça,
o giz e
as pílulas azuis,
sob a lua cheia,
sentindo o frio na espinha,
o aperto no estômago,
a solidão nos olhos-que-procuram,
a falta do amor,
tantos anos,
meses,
dias,
horas,
depois de tudo isso,
depois disso e de mais um pouco,
depois da esperança abandonada e
do suicídio iminente,
do fim da poesia,
do senso de humor,
e depois ainda um pouco e
mais um pouco e
mais um pouco,
apareceu, então,
feito mágica,
a cura dos males,
um mundo perfeito,
o paraíso na Terra,
Deus, nas três pessoas,
respondendo preces,
o melhor amigo,
sob a lua cheia,
desce para
cantar cantigas de ninar
e ouvir e
acalmar
os temores de
duzentos anos de ódio,
amores não correspondidos,
crimes sem castigo,
guerras sem paz.


bonnie/ mrs. mojo rising

31 de mai. de 2007

De novo

Já sei o porquê das recaídas. É medo de que sua praga dê certo. Cada tombo é uma confirmação do que me disse no fim. Cada roxo na alma ratifica sua maldição. A lembrança da descoberta diante das palavras antigas que releio só faz aumentar a certeza de que você tinha razão. Está bem, pode torcer meu braço: nunca mais. E talvez nunca tenha sido. É isto: nunca foi. Há os que nasceram para amar, e eu me encontro nesse grupo, não no outro.

Mas e daí? Não estou aqui só para isso, eu sei. Há tanto para ser feito. Eu sigo incólume, as olheiras atestando uma noite produtiva, ninguém desconfia. Não tenho mais medo, porque já sei o que me espera, já sei o que é preciso fazer. Os tombos são menores agora porque não subo tão alto como antigamente. A subida séria só se faz uma vez e nenhum tombo poderá ser comparável a sua rasteira. E a cicatriz serve para que não me esqueça, a cicatriz gigante varando meu corpo internamente dos pés à cabeça. Por ser enorme é que ainda dói e isso nada tem a ver com vontade, desejo ou paixão.

Aos poucos, vou compreendendo o que se passa.


mrs. mojo rising

30 de mai. de 2007

Pausa nas pretensões literárias II

Em relação à não renovação (e não fechamento) da concessão da RCTV (canal privado de TV da Venezuela), eu me abstenho.

Abstenho-me porque, de um lado, não vejo o menor problema em se não renovar uma concessão desse tipo. Quem garante que essas concessões são benéficas? Por que determinados grupos são beneficiados em detrimento de outros? Vide o caso do governo Sarney (1985-1989), que outorgou milhares de concessões de rádio a esmo, muitas para parlamentares que votaram pela emenda constitucional que lhe deu cinco anos de mandato. Será que ainda não é óbvio que o fato de um veículo de comunicação ser da iniciativa privada não garante a tão propalada liberdade de imprensa? Aliás, liberdade de imprensa é um conceito que rende. Ainda há uma agravante em relação ao caso específico: a RCTV participou ativamente da tentativa de golpe a Hugo Chávez em 2002, um presidente eleito democraticamente, gostem ou não. Não que eu seja árdua defensora da democracia representativa. Estou apenas usando os argumentos de quem anda reclamando da não renovação. Sejam, no mínimo, coerentes, coleguinhas.

Por outro lado, não me agrada também o fato de o canal virar TV pública. Na minha desconfiança em relação a governos, é óbvio que incluo o da Venezuela. Seus interesses diferem, neste momento, dos interesses da iniciativa privada que tomava conta da RCTV, mas ambos possuem algo em comum: o desinteresse pelo povo*. Se bem que, até agora, parece que o povo é mais motivo de preocupação lá do que aqui, ainda que de uma forma populista. A decisão de não renovação do canal é uma tentativa de impedir futuros ataques ao governo que, em princípio, pode merecê-los. É uma forma de afastar uma forte oposição que, em princípio, pode ser necessária.

Para quem quiser ler uma opinião diferente da que nossos jornais andam veiculando, sugestão do Flávio: Agência Carta Maior.

* Povo no sentido de plebe, classe inferior** da sociedade, o contrário de elite.

** Inferior em relação à condição econômica, política e/ou social, no sentido de subalterno.

bonnie, a gângster politicamente correta.

25 de mai. de 2007

Pausa nas pretensões literárias I

Lula disse, recentemente, que greve no funcionalismo público prejudica a população, não o governo. A declaração me chamou a atenção pela separação entre duas instituições que, teoricamente, analisando-se o discurso dos defensores da democracia representativa, deveriam estar intimamente ligadas.

Ora bolas, o governo governa para quem? Se um é prejudicado, não o deveria ser também o outro? Já está tão descaradamente assumido que o governo não se importa com a população ou trata-se apenas de um ato falho? Como não vi ninguém assustado com a questão, acho que a primeira opção é a mais plausível.

Mas, então, por que as pessoas continuam acreditando nesse sistema de representatividade? Se não acreditam, por que continuam participando dele?

bonnie

21 de mai. de 2007

"Ode" ao barulho

Gosto do barulho da cidade grande porque ele abafa meus barulhos internos. Só quem está bem gosta do silêncio. Eu, no silêncio, me desespero. Introspecção, para mim, é sinônimo de dor. Sim, eu me importo com a fome do mundo, com as guerras, com os mendigos que dormem na minha porta. Tenho uma compaixão incomensurável pelo ser humano, principalmente por aqueles que sofrem. Mas a minha dor também é grande, exijo respeito e, na verdade, ela inclui a humanidade inteira. É uma dor anterior a mim, assim como a necessidade de escrever. Antes de eu nascer, já estavam lá as duas, a dor e a necessidade. A diferença é apenas que agora eu entendo melhor como elas se manifestam e o que é preciso fazer para amenizá-las. Tudo que faço, porém, é paliativo.

Sei o que é chorar sozinha num banheiro sujo. Quando ouvia essa música aos dez anos de idade, não poderia imaginar que um dia saberia muito bem seu significado. Sei também o que é a depressão depois da onda, sei o que é onda ruim, sei o que é a morte de uma pessoa querida, sei como fica uma pessoa morta, sei bem. Sei o que é se sentir sozinha. Se tenho muitos amigos, é justamente porque sei. Sei o que é ficar sem dinheiro. Sei o que é traição, o que é mentira, o que é amor, o que é ódio. Sei bem o que é morrer e continuar vivo. Sei o que é acreditar, o que é decepção, o que é frustração. Sei o que é ter força e o que é ter recaída. Todas essas palavras estão muito claras no meu dicionário pessoal e intransferível.

Gosto de não ter motivo para pensar, porque eu penso demais, demais, o tempo todo. Acho linda uma paisagem bucólica, mas ela me oprime, me exige uma serenidade que não tenho. Minha perturbação não combina com a natureza. Gosto do sapato do flamenco batendo na madeira, das palmas e da mulher berrando uma música em espanhol. Gosto do rock cobrindo as cabeças, gosto de falar sem parar, de andar a esmo por entre pessoas apressadas, da pressa, do pouco tempo. Preciso disso, sobrevivo disso. Minha loucura se perde nesse turbilhão e eu passo incólume, ninguém repara. É no barulho da cidade grande que eu escondo e ignoro meus pensamentos que não cessam de me impregnar.

Só quem está bem pode gostar do silêncio. Eu, no silêncio, sinto pavor. Ouço vozes, me lembro de pessoas, de lugares, sinto saudade, vontade de mudar o passado, de mudar o mundo, questiono deus, procuro o diabo. Preciso ir para fora, porque por dentro sou doente. Adoro os passarinhos cantando de manhã na minha janela, mas eles agridem meus ouvidos amargos, falam de uma felicidade que desconheço, representam uma leveza que nunca me foi permitida. No barulho, disfarço melhor os meus monstros, ninguém os escuta. Ninguém percebe minha timidez e a vontade de gritar que preciso de ajuda. Ninguém percebe que eu amo infinitamente as coisas e pessoas e lugares e bichos na mesma intensidade com que os odeio, e que essa dualidade acaba comigo.

Eu me exponho para me esconder. Não me agüento no silêncio. Não caibo em mim.


mrs. mojo rising

20 de mai. de 2007

Testamento

Não sei por que fiz aquilo. Não sei por que constantemente faço coisas que não quero. É como se houvesse outra pessoa aqui dentro, mais forte, cruel, mesquinha. Quando voltei a mim, você já estava descendo as escadas, abrindo o portão, indo embora para sempre. Sim, para sempre. É mentira que só para a morte não haja solução. Isso entre a gente também não tem solução. E embora eu esteja cheia de dívidas, quase sendo despejada e com essa maldita doença, é só sua ausência que me preocupa. Estou prestes a morrer indigentemente, sem direito a funeral cheio, bonito, amigos e família chorando, e só me preocupo com sua ausência. Não é só por eu não ter mais ninguém. Não, não é só isso. Não tenho mais ninguém porque, em parte, nunca me importei com isso, nunca fiz questão de cultivar amizade, não gosto de gente. Nunca confiei nas pessoas e tenho motivo para tanto, você sabe. Aliás, só você sabe de tudo, dessa dor, interna, externa, física e psicológica. Só você sabe o quanto tem sido difícil viver e que me assusta mais a hora da morte do que a morte em si. Pelo que já li sobre o assunto, só você me fez sentir algo próximo do que se chama de amor. Só por você senti falta de ar, insônia e taquicardia. Só em você passei um dia inteiro pensando. Só por você tive vontade de largar tudo, se eu tivesse tudo. Só por você já pensei em morrer. Agora, veja que ironia, vou morrer, mas não por você. Vou morrer sozinha, sem você, por culpa dessa outra que vive dentro de mim. Deixei você descer as escadas, falei coisas nas quais não acredito, disse o oposto do que gostaria de ter dito. E é para sempre. Mas não por que vou morrer. Não é só para a morte que não há solução. Se por um milagre eu sobrevivesse, ainda assim seria para sempre.

mrs. mojo rising

Dois perdidos

Quando eu quis você
Você não me quis
Quando eu fui feliz
Você foi ruim
Quando foi a fim
Não soube se dar
Eu estava lá
Mas você não viu

Tá fazendo frio nesse lugar
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo em mim

Se eu já me perdi
Quando perdi você
Quando eu quis você
Você desprezou
Quando se acabou
Quis voltar atrás
Quando eu fui falar
Minha voz falhou
Tudo se apagou
Você não me viu

Tá fazendo frio nesse lugar
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo mais
Onde eu já não caibo em mim

Mas se eu já me perdi
Como vou me perder?
Se eu já me perdi
Quando perdi você
Mas se eu já te perdi
Como vou me perder?


(arnaldo antunes)

clarissa

12 de mai. de 2007

Ansiedade

Se eu escrevesse um dicionário, definiria a palavra ansiedade da seguinte forma: sensação de que o que você quer está prestes a fugir. Não é perfeito?

Inspiração do horóscopo do jornal O Globo de hoje. Juro.

mrs. mojo rising

10 de mai. de 2007

Missão na PE

Há muito não escrevo. Cometi um poema outro dia, mas é pouco. Tenho deixado o blog nas mãos da mojo e da clarissa, o que não é muito saudável. Amo minhas amigas, mas uma é super depressiva, a outra é super fofinha. Meio chato. Às vezes tenho até vergonha de fazer parte disto aqui. Sei lá, não é nada pessoal, mas não tenho muito a ver com os dramalhões que elas protagonizam.

Ontem fui convocada para uma ação no quartel da Polícia do Exército da Barão de Mesquita. Rua Barão de Mesquita n. 425. O quartel do medo. Local onde se torturavam e matavam presos políticos na época da ditadura militar. Nossa missão era conhecer o lugar por dentro para posteriormente roubar armas e arquivos daquele período nefasto. Nefasto não só por ter sido uma ditadura, gostaria de frisar, mas também por toda sua política voltada para as elites.

Quase sempre estou metida nesse tipo de ação, uma das mais difíceis. O chefe sabe que pode confiar em mim. Sou uma atriz, capaz de fazer a coitadinha ou a mais safada das putas. Sou gato preto em noite sem lua. Sou o que tiver de ser com a mesma facilidade com que espirro quando alérgica. É verdade que sinto falta de participar das ações em que as armas são utilizadas, mas o chefe prometeu que minha próxima missão será um assalto à banco. Quase gozo só de pensar.

O plano era simples: mr. white se disfarçou de estudante - jeans, tênis, mochila, chiclete, cara de quem vai mudar o mundo dali a cinco minutos - e ficou tirando fotos do quartel. Era óbvio que os merdinhas cães-de-guarda viriam tirar satisfações. Eram apenas dois àquela hora, 20h40. Um deles se aproximou, perguntou por que "o rapazinho" estava tirando foto, já colocando as patas na câmera digital. Enquanto mr. white conversava com ele, eu e mia tentávamos convencer o outro a nos levar para dentro.

Ah, como é bom ser mulher! Como tudo fica fácil! É só vestir uma saia hiper curta, uma blusa hiper transparente e fazer cara de "quero dar para você". Difícil um homem que resista, principalmente quando se trata de mulheres bonitas, o que, definitivamente, sem falsa modéstia, eu e mia somos.

O imbecil levou mr. white para conversar com um "superior" lá dentro. A câmera fora confiscada e todas as fotos apagadas, inclusive as que não eram daquele lugar. Continuam truculentos e burros por ali. Deve ser o ar de "antanho", como diria um velho e antiquado amigo. Enquanto andava até a sala do tal "superior", mr. white registrava tudo na cabeça, como o número de passos até determinado local, número de merdinhas lá dentro, os nomes, as caras etc. Possui visão e memória privilegiadas, este meu companheiro.

Eu e mia iríamos conhecer os bastidores do local. Não fora difícil, como já disse. O imbecil que nos coube, excitadíssimo, esperou o colega que levara mr. white voltar para nos fazer as honras da casa. Nem foi grande o sacrifício, o rapaz não era feio. Era até bonitinho, o filho da puta.

Conhecemos, além dos bastidores daquele lugar imundo, os bastidores do merdinha do guarda. O fato até merece uma descrição, mas deixarei para um próximo texto. Preciso mesmo tomar conta deste blog, antes que algum leitor vomite com a clarissa ou tente se matar com a mojo.


bonnie

3 de mai. de 2007

Consolo na praia

Vamos, não chores.
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.

O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.

Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.

Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o "humour"?

A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.

carlos drummond de andrade


clarissa, para mrs. mojo rising :)

Tempestade cerebral

Mesmo sem te ver... É, acho que estou indo bem. As recaídas são apenas decepção com outro amor. Tenho me apaixonado a cada semana, não consigo concentrar, não consigo focar. "Você tem que investir". Ah, não quero, quero um amor a cada semana. Mas, então, me decepciono, ou porque enjôo ou porque enjoam de mim antes. Aí é que vem a recaída. Aquela história de maior referência de amor, você sabe. E pior. Isso confunde a cabeça de qualquer indivíduo. Olha aí, olha aí, já estou ficando confusa. Eu não quero você, isso eu sei. Nem que viesse com a cara do Edward Norton ou do Ewan MacGregor em Moulin Rouge (aiai) ou dele, você sabe. Do Jim. Pelo menos disso eu sei. Ufa.

Foi quando mesmo que aconteceu? Aconteceu mesmo? Ah, é verdade, acho que sim, acho que amei um dia e sofri no outro, assim como pensei em revolução. Eles tinham razão em relação a esse papo de ficar velho. É claro que não dá para mudar o mundo. Se não dá para mudar nem a nossa vida. Digo mudar mesmo, de verdade, tudo. Não dá. Uma ou outra coisa a gente vai ajeitando. Arruma um emprego bacana, escreve, dança, sai de casa, pinta o cabelo. Mas mudar tudo mesmo, não dá, porque não depende só de nós, ora bolas. Que dirá o mundo, esse troço enorme, fico até tonta de pensar.

Mas de uma coisa não abro mão: acredito na revolução do que está ao meu alcance. Não se faça de besta perto de mim, estou pior do que nunca, porque mais esperta. Continuo explodindo, mas com uma estratégia que vou te contar. Estou super estratégica, supermegahiperultra estratégica. A gente aprende com a idade, eles tinham razão. Mas a idade não pode servir para justificar qualquer coisa também, não é? Peralá, eu também já tive 20 anos e não "matei" ninguém por causa disso. Aliás, eu era tão mais legal. Porque eu acreditava. Eu acho que quanto mais a gente acredita, mais legal a gente é. E quanto mais novo a gente é, mais a gente acredita. Então, quanto mais novo, mais legal a gente é. Logo, aos 20 a gente deve ser muito mais legal do que aos 30. E se aos 20 a gente foi um monstro, não quero nem imaginar como será mais tarde. Ui, medo.

Muitas vezes não se trata nem do fato em si, mas de como lidamos com ele. Durante e depois. Sei lá, mas eu não teria coragem de criticar e controlar e exigir comportamentos específicos de alguém com quem eu fosse o maior canalha do mundo. Depois que me descobrissem, então, e que tudo terminasse, menos ainda. Simplesmente não conseguiria. Acho que é uma questão de caráter. Se eu faço o diabo, não posso exigir um santo do meu lado. Não queria ter 20 anos de novo, ah, não. Muito melhor saber que o ser humano não presta. Eu fico triste, é verdade, mas não me engano mais.

E ainda posso ser tão fofinha... Só que na hora certa. Ah, sim, posso sim. No fundo, eu sou um doce. Nossa, eu sou um brigadeiro, um cajuzinho, um bolo de cenoura. Mas não pode ser assim sempre. Fica chato. Odeio gente que sorri o tempo todo. Detesto quem não muda com a lua, com a música, com um beijo. Sempre igual, aquele troço estampado no rosto. Gosto do bico também, da sobrancelha franzida. Um rosto serve para expressar tanta coisa, que falta de imaginação. Meu sorriso pode ser o mais radiante da festa, mas faço dele um evento à parte. Todos ficam tentando, esperando, querendo descobrir o que me faz fofinha, o que me faz sorrir. Mas cuidado, muito cuidado: agora eu também sei fingir.


mrs. mojo rising

12 de abr. de 2007

Uma história de amor

Enfiou uma faca nas minhas costas.
Eu sou a desequilibrada.
Arrancou os meus olhos.
Eu sou a culpada.
Esmigalhou meu dedo mindinho.
Eu sou a safada.
Estraçalhou meu fígado.
Eu sou a desgraçada.

Disse que me amava.
Eu fui a assassinada.
Que faria qualquer coisa.
Não agüentou minha intifada.
Que me esperaria para sempre.
Partiu na primeira jangada.

Quando descoberta
a primeira feitura abjeta,
disse que estava arrependido,
pensei em perdoar a tragédia.
Continuou me(n)ti(n)do.


mrs. mojo rising

2 de abr. de 2007

Novo sonho de consumo




Ricardo Tozzi. Tão bonito que merece duas fotos.

clarissa/ mrs. mojo rising/ bonnie

30 de mar. de 2007

Se, talvez

Se eu não tivesse este coração tão cansado,
estes olhos tão atentos,

desconfiados,
esta língua tão afiada,
estas mãos tão trêmulas,
este medo de fantasma,
este pavor de amar de novo,
se eu não fosse assim tão maltratada,
talvez eu me entregasse a você feito a primeira vez,
deitasse no seu colo como encantada,
fechasse os olhos e lhe desse as mãos
para que me guiasse pela cidade
perigosa, esburacada,
dissesse coisinhas ridículas,
pensasse em ter um cachorro e uma gata,
cinco filhos e férias na Eslováquia,
e terminasse este poema com o seu nome,

que seria, para mim, a mais bonita das palavras.

mrs. mojo rising

15 de mar. de 2007

Canção

Tentei escrever, eu mesma tentei colocar no papel o que me queimava, mas acho que Cecília Meireles já o fez por mim. Portanto...

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.


mrs. mojo rising

12 de mar. de 2007

Ovos fritos

Como estivesse morrendo de fome, Carlos entrou num restaurante, um lugarzinho nem lá nem cá, relação custo – benefício condizente com seus rendimentos. Pediu coisa básica:

– Arroz, feijão, batata-frita e um ovo frito, por favor.
– Dois – respondeu o garçom.
– Não, não, um ovo só.
– A casa não trabalha com um ovo só, senhor.

Carlos desorientou-se e não conseguiu responder que também gostaria de uma coca-cola light quando o garçom lhe perguntou se queria

– Algo mais, senhor?

Sem resposta, o funcionário retirou-se. Carlos voltou a si e chamou-o novamente.

– Meu bom rapaz, estou ficando louco, talvez surdo, ou você me disse que não pode me trazer apenas um ovo frito?
– Não, o senhor não está louco nem surdo.
– Sei... E por que isso? Até onde entendo, as galinhas põem um ovo de cada vez, certo? Certo ou errado?
– Senhor, não sei dizer, não.
– Você não sabe dizer se as galinhas colocam um ovo de cada vez?
– O senhor gostaria de falar com o gerente?

Carlos balançou a cabeça num sim, passando a mão pela testa suada. Enquanto o garçom se afastava, pensou que poderia deixar o caso mais barato e aceitar que lhe trouxessem dois ovos fritos. Não pesaria nem no bolso nem no estômago. Comeria um e deixaria o outro lá, ou comeria os dois, tanto faz, isso não mudaria muito o curso da história. Continuaria o seu dia tranqüilamente, sem estresse, sem pensar mais em ovos. Ah... Tudo ocorreria como fora planejado quando resolveu entrar naquele restaurante. Mas Carlos era um homem de princípios. Essa atitude pesaria no cérebro. Não conseguia ceder a uma imbecilidade dessas. Como dormir o sono dos justos depois de tamanho despautério? Não, ele não cederia. Questão de honra.

– Pois não, senhor, eu sou o gerente.
– Bem, é o seguinte: eu quero um ovo frito, apenas um, e esse rapaz disse que vocês só "trabalham" com dois.
– Isso mesmo.
– E por quê? Por que isso? A galinha não põe um ovo de cada vez? Põe, é um ovo de cada vez. Já morei em fazenda, tenho certeza disso. E mesmo que pusesse dois, ora bolas, eu, agora, nesse momento, só quero...
– Acalme-se, senhor,o senhor está ficando vermelho.

Carlos passou a mão pela testa novamente.

– A questão é simples, senhor: os dois ovos são uma longa tradição aqui no nosso restaurante, que já existe há 47 anos. O nosso restaurante. A tradição é um pouco mais recente, deve ter aí uns 30. Sempre servimos ovos em pares. Nossos clientes assíduos já sabem disso e até gostam dessa nossa peculiaridade. Os novos, quando ficam sabendo, não questionam e até gostam também, pois sempre acabam comendo os dois. Muitas vezes não sabemos medir nossa real fome, não é mesmo? Até poderíamos, senhor, quebrar essa regra agora, trazendo apenas um ovo na sua refeição, mas teríamos de resolver uma situação complicada.

Pausa.

– Que si-tu-a-ção?
– Pense bem, senhor, pense bem: se sempre vendemos os ovos em pares e agora vendermos apenas um para o senhor... Entende?
– Entende o quê?
– Senhor... Não é óbvio?
– ...
– Senhor! O que faríamos com o outro ovo? O que faríamos com o ovo que deveria acompanhar esse um que o senhor pediu? Hein? Hein?


clarissa

Essa história é baseada em fatos reais.

29 de jan. de 2007

Anjinho bom ou anjinho mau?

- Desce rápido, é cilada.
- Eu sei, eu sei, mas não sei...
- Desce.
- Já? Agora?
- É. Rápido. Desce, que é cilada.
- Vou esperar só mais uns dias.
- Você que sabe. Não diga que não avisei.


clarissa