22 de dez. de 2009

dos males que vêm para bem

não sente saudade. nenhuma. nenhuminha mesmo.
não foi o maior amor. definitivamente. de jeito algum.
amor é isto, não aquilo. amor integral.
seu amor é o mais bonito do mundo como nunca foi.
seu amor é o mais potente do mundo. cefaléia orgástica.

o que falta é certa inocência.
um tanto de crença. de serenidade.
falta não ter medo.
compreender que o jogo pode ser diferente.

não fosse isso, agradeceria o que aconteceu.
pois, não fosse o que aconteceu,
não reconheceria seu amor.

¡mira que bonito eres!

o cante começou. segundos antes do baile, arfava o peito, como que enorme, ocupando todo o abdome. sapato espancando a madeira, braço buscando firmeza, ambiente tomado por palmas e interjeições. tremia de quase cair. não tombou, porém. encantada, apavorada. hora estranha para pensar na feliz junção que haveria entre aquele barulho e o outro, rock. ambos saídos da intensidade, dos extremos, do muito alegre e do muito triste, do muito amor e do muito ódio, muita tensão e muita suavidade. sem meios, meandros, interstícios. inteiro, para sempre, para tudo, vigorosamente violento e sensual.

6 de nov. de 2009

lúcifer veio te buscar

péssimo humor pela manhã
além dos problemas as labaredas do inferno
lúcifer soltando seu bafo sobre os mortais pecadores

- mas o que foi que fiz para merecer isso?

o justo paga pelo pecador
qualquer religião prega isso com argumentos profundos
como o cérebro da próxima capa da playboy

- e as pessoas acreditam

as pessoas acreditam em tudo que esteja de acordo
com o que elas querem acreditar
por isso há gente nesta terra que adora o inferno

- sou carioca pô.

vem andar de ônibus vem
garota de ipanema menino do rio
vem trabalhar nas ruas do Centro
entregar documento limpar calçada
dormir com ventilador

26 de out. de 2009

naquele tempo

naquele tempo não era mais fácil. apenas parecia que seria possível e lógico, e que a resistência do chuveiro não nos tiraria do sério nem a fechadura travada bem na hora de sair de casa - e o chaveiro cobrar cinquenta reais porque sabe que dependemos dele como de um médico - nem o vaso sanitário começar a vazar (o que gramaticalmente faz algum sentido) e transformar o banheiro num lamaçal.

não.

naquele tempo os problemas se resumiam à preocupação com aquela sirigaita peituda que se abre em sorrisos e aquele pilantra amigo de infância que elogia os olhos e em quase todas as outras criaturas minimamente humanas, porque, afinal, todos vão ter algum interesse pelo seu amor, que é o mais lindo do mundo, óbvio.

mas isso não quer dizer que estas questões tenham perdido importância diante daquelas.

não.

enquanto for seu amor.

22 de out. de 2009

Da série "Pausa nas pretensões literárias"

Absolutamente elucidativo e, portanto, essencial e inadiável.

MST X CUTRALE
O que é mais chocante?

Por Hamilton Octavio de Souza

Na última semana, primeiro a TV Globo, depois os demais veículos da grande imprensa neoliberal, exploraram ao máximo – com sensacionalismo e forte dose de criminalização – a imagem de trabalhadores sem terra arrancando pés de laranja numa área grilada da empresa multinacional Cutrale, no município de Iaras, interior de São Paulo. Evidentemente o assunto teve grande repercussão pública e foi alvo de manifestações precipitadas e raivosas de setores da direita – muito mais por afirmação ideológica do que pela relevância dos fatos.

Pouco se falou que a terra invadida pela empresa Cutrale pertence à União, é terra pública, e que deveria ter sido usada para assentamento da reforma agrária há muitos anos, conforme projeto do INCRA, mas que foi grilada e vendida para particulares de forma ilegal. Tanto é que a área é ainda hoje objeto de inúmeras ações e pendências judiciais. O crime original – grilagem – foi ignorado pela mídia.

Portanto, a ocupação feita pelas famílias e trabalhadores rurais sem terra foi legítima e estratégica, na medida em que reafirmou a defesa do patrimônio da União e chamou a atenção das autoridades para a destinação inicial da área, que é o projeto de assentamento de famílias empenhadas em viver, trabalhar e produzir no campo.
Chamou a atenção da sociedade também para a necessária e urgente plantação de alimentos, já que o Brasil tem sido obrigado a importar arroz, feijão e trigo – enquanto o agronegócio só se preocupa com produtos de exportação.

Lá mesmo em Iaras, mais de 400 famílias estão acampadas e aguardam, há anos, uma decisão da Justiça sobre aquelas terras. Se tivessem sido regularizadas pela reforma agrária, com certeza estariam rendendo alimentos mais baratos para o povo brasileiro.
O que é mais chocante: pés de laranja arrancados em protesto ou mais de 400 famílias –mulheres, velhos e crianças – vivendo em acampamentos precários?

Na pressa para criminalizar os trabalhadores sem terra pela ocupação em Iaras, a grande imprensa corporativa não fez qualquer associação com a destruição dos laranjais ocorrida nos últimos dois anos, pelos próprios produtores, especialmente no Estado de São Paulo, porque os preços impostos pelas indústrias do suco eram insuficientes para a manutenção dessas plantações. A área total de plantio da laranja foi reduzida em milhares de hectares por obra dos próprios produtores, em especial dos pequenos produtores, que preferiram migrar para outras lavouras ao invés de trabalhar de graça para o oligopólio industrial do suco de laranja.

O que é mais chocante: pés de laranja arrancados pelo protesto dos sem terra ou laranjais inteiros destruídos porque o cartel do suco inviabilizou a atividade dos produtores, desempregou os trabalhadores e provocou a elevação no preço da fruta vendida no mercado consumidor brasileiro?

Antes mesmo de investigar e apurar corretamente o que aconteceu em Iaras, antes mesmo de ouvir todos os lados envolvidos no caso da área grilada da Cutrale, como mandam as regras básicas do bom jornalismo, a imprensa corporativa deu grande destaque ao vídeo e à versão da policia estadual, a qual, todo mundo sabe, tem posição partidária, atua sempre contra os movimentos sociais (urbanos e rurais) e é conhecida por difundir versões mentirosas e distorcidas sobre os fatos, como nos episódios da Escola Base, nos assassinatos de maio de 2006 no Estado de São Paulo e, mais recentemente, no assassinato de uma jovem na favela de Heliópolis, na capital paulista.

Agora no caso de Iaras, mais uma vez a grande imprensa neoliberal conservadora aceitou sem vacilar a versão de “vandalismo” dada pela polícia e não se preocupou em checar, in loco, com as famílias de sem terra e com os trabalhadores rurais da Cutrale, a verdadeira história sobre o ocorrido. Entre fazer jornalismo e comprometer-se com a verdade, a grande imprensa corporativa preferiu ficar com a versão mais adequada aos seus interesses ideológicos. Mais uma vez essa mídia deu guarida e projeção para as posições mais atrasadas e reacionárias da sociedade brasileira, que são reconhecidamente contra a reforma agrária e contra as lutas dos movimentos sociais do campo e da cidade.

O que é mais chocante: pés de laranja arrancados pelo protesto dos sem terra, em área pública grilada por empresa multinacional ou a existência de uma imprensa e de uma polícia que mentem para defender os interesses das elites econômicas e políticas, as mesmas que impedem o Brasil de ser um país mais justo e mais igualitário, que está em 75º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU?
Você decide.

Hamilton Octavio de Souza é jornalista, editor da Caros Amigos e professor da PUC-SP

Tirado daqui.

28 de set. de 2009

das várias mortes parte I

as mãos estavam sobre sua coxa, mas não sentiu. o álcool a projetou para fatos passados. teria sido diferente caso a trajetória da bala fosse a desejada? esse agnosticismo... não saber é o mais desconfortável dos sentimentos. às vezes imaginava-se já morta. deve ter morrido adolescente, depois da noite que passou cheirando pela primeira vez. deve ter tido uma overdose. como castigo, continuar a vida. aquele era seu inferno. tudo igualzinho para confundir. punição de que não se tem consciência é muito pior porque não faz sentido.

uma das mãos já nos seios, a saia nos joelhos, a outra dentro da calcinha. coitado, nem sabe onde fica o clitóris. olhou para o meio de suas pernas, era dos grandes. quase sempre assim: quando o sujeito se acha bem servido, não se importa em diversificar a atuação. pena, porque, embora bonito de se ver, não garante a qualidade.

gozou rápido. como continuasse duro, puxou-a pelos cabelos até embaixo, onde ela se manteve mecanicamente no movimento que conhecia tão bem. engoliu o novo líquido não por obrigação; gostava. afastou a boca que procurava seus seios, não saberia dizer nem o nome do dono daquela boca. colocou calcinha, blusa, saia, sapatos, óculos, pegou a bolsa. o dono da boca fazendo um muxoxo romântico, que ridículo, ele também não sabe seu nome.

17 de set. de 2009

primeiro erro

deveria ter dito não naquela tarde.
desistido.
ido embora.
nem gostava de você ainda.
nem gostava de mim com você ainda.
nem gostava dessa pele branca que não pega cor
mesmo com quilos de cenoura.
você é tão estranho que nem vermelho fica no sol.
e você come de boca aberta.

não foi insistência.
deixei para lá.
não levei em consideração o que você dizia.
ignorei-o impensadamente, sem maldade.
naquela tarde ainda não me importava toda a confusão.

agora o retorno é inviável ou suicídio.

Coitado do Che

Barack Obama agora é tachado de comunista pela classe média estadunidense por querer ampliar o serviço público de saúde para todos os cidadãos. Em passeata ocorrida contra a intenção do presidente, tinha foto dele com a famosa boina do Che Guevara. Em outra faixa, lia-se "não distribua a riqueza das minhas barbies".

Gente egoísta, cruel. E burra, burra demais.

3 de set. de 2009

do ir sem saber

é o vento ou pensa demais?
não é ruim, mas já foi melhor.
desculpa-se por antecipação.
desiste sem tentar.
desiste?
nada.
o terror aumenta a velocidade.
desiste de acreditar, apenas.
entende?
vai sem acreditar.
embora com raiva dessa alegria,
que raiva.
não é possível ser alegre assim
sem estar, de alguma forma, cúmplice.

28 de ago. de 2009

Te perdoo por te trair*

Quanto mais a amava, mais a traía. Equação estranha, mas só a princípio. Era tanto querer que não podia evitar a sensação de não ser correspondido na mesma medida. Ela parecia não ter ciúmes, não sofrer, bastava-se, enquanto ele era como um adolescente acabando de descobrir a masturbação. Suas traições eram uma espécie de vingança suicida, ações que ele mal escondia, desejando ser descoberto para despertar nela o medo de perdê-lo.

*"Mil perdões", Chico Buarque

16 de ago. de 2009

inefável

bola de pelo no estômago
ousadia imperdoável tentar

dedo na garganta
luftal mamão magnésia
não sobe não desce

mas um dia esvazia
por bem por mal pela média

12 de ago. de 2009

as mulheres

não precisa falar que ama, ela me disse. a gente vai sem isso, embora às vezes não estejamos a fim e pronto. mas se falar, que seja a vera. também temos desejos secretos, indizíveis, outros homens, dois homens ao mesmo tempo. gostamos daqueles seus amigos e, aparecendo antes, poderia ter sido um deles. ainda é difícil admitir tudo isso, mesmo depois da revolução sexual - cultural? biológico? - porque ainda escutamos a história da cinderela e ainda há a idéia de que só em um casamento com filhos seremos felizes. o preconceito persiste - até hoje não inventaram termo masculino para puta, piranha, vaca, vadia. algumas continuam machistas e ficam contra outra mulher quando, na verdade, o problema é com o cara que não respeita o contrato. há aquelas que aturam certas atitudes como suas mães e avós. há também quem não consiga sentir o devido prazer que só uma relação sexual pode proporcionar, principalmente quando é sem amor (leia com ambiguidade, por favor). mas estas atrasadas estão cada vez em menor número. a maioria sabe e gosta de se masturbar, inclusive pensando naquele ator musculoso ou no moreno de olhos verdes que, vez em quando, bate em sua porta para pedir um pouco de açúcar. estou mentindo?, ela perguntou. já é bastante comum mulheres mais velhas desbancarem garotinhas e grande parte já consegue trair mesmo amando seu homem, embora continue a carregar alguma culpa, consequencia de anos de educação moralista. mas, independentemente desses resquícios, sempre tivemos uma característica que nos torna infinitamente superiores. tomara um dia ela possa emergir com toda a sua força, livre das amarras seculares (no sentido de tempo, é o que digo). uma característica que eles, talvez, nunca consigam adquirir: trata-se da discrição, da dissimulação. mentimos muito melhor. ela sorriu.

2 de jul. de 2009

apatia

e vendo aquelas cores
o cinza quase preto do céu
a comida começou a esfriar
não pensou que seria fácil
mas que pudesse ser agradável
na maioria das vezes
sentiu-se mal por não se sentir mal
em continuar considerando
que o seu problema era o maior de todos
enquanto ali na sua frente
havia gente morando numa tenda
improvisada depois de um despejo
e havia crianças um cachorro
a provocação da bondade
não lhe alteraram os batimentos cardíacos
não estimularam seu canal lacrimal
quase pensou que se danem
esses miseráveis depois
planejou escrever algo sobre
denunciar com fotos
quem sabe faria uma grana
e sucesso entre universitários neo-hippies
meninos barbudos meninas florais
chatos sambando com suas caras de inteligência
calculada de rebeldia permitida
chatos chatos chatos chatos chatos
havia pouco o que fazer
por si mesma pelos despejados
por todos os outros infelizes
que lhe cruzavam o caminho diariamente
na verdade não havia nada
senão continuar a comer
mirar o céu preparando sua limpeza
concentrar-se no seu problema

a não ser que fosse a vera
até o fim tudo ou nunca agora ou nada
que a maior perda de tempo é brigar
para exigir metade

1 de jul. de 2009

os homens

os homens têm uma coisa horrível, ele me disse. todos? todos. cultural? biológico? presta atenção, a gente não presta. o único sentimento que podemos dar com alguma exclusividade é o amor. é pouco? não sei. nem acho. mas é isso. de resto, queremos outros peitos, outras bundas, outras bocas. e no brasil, meu bem, quase só gostamos de louras de olhos claros ou mulatas de longas pernas e farto samba nas ancas. o seu tipo talvez faça sucesso lá na finlândia, mas seria bom você pegar um sol, porque essa sua pele transparente estraga o exótico. e mesmo aquela sua amiga comum será nosso alvo. e mesmo aquela prima, aquela tia, aquela irmã. e mesmo que sejam menores de idade - aliás, para alguns, isso mais atrai. e mesmo que você seja mais bonita que elas. e mesmo sua mãe, que algumas ainda rendem. e mesmo que não cheguemos ao conceito bíblico, alguns de nós são escrupulosos, vamos olhá-las na sua frente. todas, qualquer uma, vamos virar o rosto para mirá-las, bocas, olhos, peitos, bundas, cabelos, unhas, roupas, pescoço, charme, tudo. uns descaradamente, outros tentando disfarçar. quase sempre em vão, a maioria de vocês sempre percebe, embora não compreenda em plenitude. os homens, meu bem, querem comer todas as mulheres do mundo. ele me disse.

2 de jun. de 2009

No consultório

Nefropata recente. Nem sabe o tipo e o grau da lesão que afetam seu órgão. Seus órgãos. Seus órgãos?

- Ecstasy?
- Uma ou duas vezes.
- Então qual?
- Doce.
- ?
- Ácido.
- É pó?
- Não... LSD... anfetamina.
- Hum... Mas é pó.
- Não, é papel.
- E o que você faz com o papel?
- Põe embaixo da língua.
- Ah...
- ...

28 de mai. de 2009

Queixa

Não, ela não tem olhos claros.
Não é morena
nem seus cabelos são encaracolados como os de Gabriela.
Sua pele não se arrepia aos toques alheios
nem aos seus.
Não arrepia ninguém também.
É de um comum invisível.

Não é de samba nem gosta de mar.
Não é boa em nada.
Sua alma é castanha.

Mas sua única queixa é em relação
a este maldito sexto sentido.

6 de abr. de 2009

Primeira vez

na primeira vez em que te vi
foi como ver a mim mesma dez anos atrás

não te achei bonito
mas imaginei a tua mão de unhas grandes
de violão
na minha cintura

e imaginei como seria deitar sobre
teu corpo
e depois sob
e depois beijar tua boca
com meu gosto nela

e não imaginei mais nada
porque não era dez anos atrás

Alice disse

"não fique confuso
muso de alguma obra-prima
pode ser tudo amor
à rima"

(Alice Ruiz)

Declaração de amor

"- (...) só vejo você por toda a parte e o resto me é indiferente. Por que e como a amo, eu o ignoro. Sabe, talvez você não seja nada bela. Imagine! Não sei nem mesmo se é bela ou não, mesmo seu rosto. Seu coração é seguramente mau e seu espírito muito provavelmente despido de nobreza. (...)

- (...) No meu quartinho, lá em cima, basta que me lembre ou imagine o roçar de suas roupas para ficar a ponto de morder os dedos. (...) Sabe que um dia vou matá-la? Não por ciúmes, nem por ter deixado de amá-la. Não. Vou matá-la simplesmente porque há dias em que tenho vontade de devorá-la. (...)

(...) Deus é testemunha de que não sei se ela é bonita, mas adoro olhá-la quando se planta assim a minha frente - e só porque adoro provocar sua cólera. (...)

- (...) Sou tomado com freqüência por um desejo irresistível de lhe bater, de desfigurá-la, de estrangulá-la. Acredita que não chegarei a tanto? Você me enfurece. Julga que eu temeria o escândalo? Ou sua fúria? Eu me lixo para a sua fúria! Eu a amo sem esperança e sei que depois disso a amarei mil vezes mais. Se eu a matar um dia, será preciso que me mate também. Bom, eu me mataria o mais tarde possível, para experimentar, sem você, este sofrimento intolerável! Saiba de uma coisa incrível: a cada dia eu a amo mais e, no entanto, é quase impossível. (...)

- (...) Sei que quando está comigo, sinto vontade de falar, de falar, de falar... e falo. Perco todo amor-próprio em sua presença e não ligo para isso! (...)

(...)

A culpa é de Paulina, tudo é culpa dela! Talvez eu nem mesmo soubesse cometer gaiatices caso ela não estivesse lá. Quem sabe eu tenha feito tudo aquilo por desespero (ainda que seja estúpido raciocinar assim), e eu não compreendo, não, o que ela tem de bom. Ela é bela, ao menos me parece. E não sou o único que ela põe louco. Ela é alta, bem feita. Mas é demasiado esbelta. Tenho a impressão de que seria possível dar-lhe um nó ou dobrá-la em dois. (...) O desenho de seu pé é longo e delgado... torturante. Torturante, eis a palavra."

(Dostoievski, "O jogador")

4 de abr. de 2009

Temperatura

Debruçada no colchão
motivo algum para se sentir mal
(e não se sente)
o contrário: para contentamento

Não está misantropa como de costume
até acha graça no sujeito nu a seu lado
dormindo depois do dever cumprido

Não está preocupada com a conta de luz
prefere a escuridão
tanto melhor se cortarem

Nem curiosa pelo passado
nem saudosa pelo futuro
a cabeça encaixada no presente

Mas está morna como a água do chuveiro elétrico
que queima se ligado com a máquina de lavar

22 de mar. de 2009

Da série "por que me ufano das crianças"

- Não sabia que Fulano fazia aniversário agora - diz a mãe.
- Não sei se é agora, mas é por hoje. Por hoje - responde a menina de uns seis anos.

17 de mar. de 2009

Ode à certeza

Tenho 27 defeitos. Sim, já os contei. 27 defeitos. Também tenho qualidades. Bem menos, acho que não chegam a 15. E não falo por falsa modéstia. O próximo parágrafo deixa claro que desse mal (ou bem?) não sofro.

Vim aqui para falar de uma qualidade minha. Destaco-a porque a considero rara. Chutaria que 99,5% dos seres humanos não a possuem. Não sei se isso me torna uma pessoa melhor, mas especial, com certeza. Não é a raridade que torna o ouro tão caro?

Trata-se do seguinte: sei muito bem o que quero. Muito bem. Cada vez mais sei. Se não tenho tempo para tudo, é outra questão. Isso é tão límpido para mim que, quando vejo a imprecisão alheia, me dói uma dor de estar sozinha com esse tão exato querer.

12 de mar. de 2009

Excomunga eu, dom José filho da puta!!!

http://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/3969

Rewind

E foram tantos não sei
tanta resposta atrasada
tanto calo descoberto por acaso
tanta fala alterada
tanto passo em falso
tanta música inacabada

que meu corpo vibra menos
e minhas mãos já abrem outras portas

5 de mar. de 2009

Sobre o que passa e afasta

"Nem o pormenor simbólico
de substituir um três por um dois
nem essa metáfora baldia
que convoca um lapso que morre e outro que surge
nem o término de um processo astronômico
atordoam e minam
o páramo desta noite
e nos obrigam a aguardar
as doze irreperáveis badaladas.
A verdadeira causa
é a suspeita geral e difusa
do enigma do Tempo;
é o assombro diante do milagre
de que apesar de sermos
as gotas do rio de Heráclito,
algo perdure em nós:
imóvel,
algo que não encontrou o que buscava."
(Jorge Luis Borges)

***

"But I still haven't found what I'm looking for"
(Bono Vox - U2)

mrs. mojo rising

26 de fev. de 2009

O golpe final do Carneiro



E não é que descubro gostar de telecat, uma espécie de luta livre combinada? É um barato, parece teatro, é engraçado, infinitamente mais bonito do que o boxe. É diferente do universo esportivo tradicional, com sua necessidade medonha de vencer o adversário, de romper os limites a qualquer custo para ser o melhor; em caso de olimpíadas ou copas do mundo, de enaltecer o nacionalismo, a doença infantil da humanidade, segundo Einstein.

Não, Randy não quer vencer, não quer ser o melhor, é outra coisa. Ele quer brilhar, quer aplauso, ser querido, quer festa, brincadeira. Seus adversários são colegas, eles se cumprimentam nos bastidores sem ódio no olhar, sem falsidade, sem desejar derrotar o outro. A partir de agora, sou a mais nova fã de telecat!!!

PS: E Marisa Tomei, hein? Linda, divina, gostosa.



bonnie

16 de fev. de 2009

Ainda gosto dela

Musiquinha bonitinha. Eu gosto do Skank e do Nando Reis.

Hoje acordei sem lembrar
Se vivi ou se sonhei
Você aqui nesse lugar
Que eu ainda não deixei

Vou ficar?
Quanto tempo vou esperar?
E eu não sei o que vou fazer, não

Nem precisei revelar
Sua foto não tirei
Como tirei pra dançar
Alguém que avistei

Tempo atrás
Esse tempo está lá atrás
Eu não tenho mais o que fazer, não

E eu ainda gosto dela
Mas ela já não gosta tanto assim
A porta ainda está aberta
Mas da janela já não entra luz

E eu ainda penso nela
Mas ela já não pensa mais em mim
Em mim, não

Ainda vejo o luar
Refletido na areia
Aqui na frente desse mar
Sua boca eu beijei

Quis ficar
Só com ela eu quis ficar
E agora ela me deixou

E eu ainda gosto dela
Mas ela já não gosta tanto assim
A porta ainda está aberta
Mas da janela já não entra luz

E eu ainda penso nela
Mas ela já não pensa mais em mim
Eu vou deixar a porta aberta
Pra que ela entre e traga a sua luz


(Samuel Rosa e Nando Reis)

clarissa

8 de fev. de 2009

Para os meninos bonitos

Já que ninguém mais lê isso aqui, vamos de letra dos outros. Agora só escrevo para mim mesma. :)

Lindo
E eu me sinto enfeitiçada
Correndo perigo
Seu olhar é simplesmente
Lindo

Mas também não diz mais nada
Menino bonito
E então quero olhar você
Depois ir embora
Sem dizer o porquê
Eu sou cigana
Basta olhar pra você


(Rita Lee)

clarissa

1 de fev. de 2009

Esporro

Então é isso mesmo, ninguém mais comenta nesta bosta? Nem que seja pra falar mal?

mrs. mojo rising, bonnie, clarissa

27 de jan. de 2009

Efeito colateral

Não pensou que isso pudesse acontecer, embora tenha o costume de planejar muito bem planejado tudo o que faz, fala, pensa, come:

1. se ela perguntar se tenho mania de falar de outras pessoas durante o sexo

1.1. se parecer que ela gosta dessa mania

1.1.1. digo que sim (se estiver gostando dela)
1.1.2. digo que não (se não estiver gostando dela)

1.2. se parecer que ela não gosta dessa mania

1.2.1. digo que não (se estiver gostando dela)
1.2.2. digo que sim (se não estiver gostando dela)

Planejamento de profissional, itens e subitens, planilhas imaginárias, estratagemas, esquemas, definição de escopo, tempo, objeto, ênfase em manutenção e controle. Graduado em marketing, MBA em gestão de projetos.

Mas como não pensou que isso pudesse acontecer? Já anotou no relatório de avaliação, para que esse grave erro não se repita. Por ora, aconselharam-no: não há remédio, mas passa. Espera que passa.


bonnie

21 de jan. de 2009

Micro-História

de determinadas palavras
embora melhores quando imaginadas
escolho certas
que não são certas necessariamente

como é difícil aceitar alguns fatos

não me esqueço daquela noite
e da coragem para enfrentar o perigo
(pulsão de morte, não arrogância)
e da constatação de meu amadorismo

sou idiota nesses casos de medo
a idade, meu caro, vira mito

outras palavras ficam para nunca
ou para o toque
ou para o beijo
ou para desvios de olhar
ou para quando presente meu advogado
ou para daqui a cinco anos e três meses
quando nos encontrarmos sem querer
na rua pedro lessa
perto de um café onde entraremos
por preguiça de negar ou por educação


clarissa

2 de jan. de 2009

Feliz ano novo de novo

"Vem, 2009, vem. Até o chão. Sem parar"

Não, não sabia.
E quando soube, procurou,
tanto que os pés se encheram de bolhas
e emagreceu uns três quilos.
Mas só viu o resultado
depois que tudo passou,
aquela felicidade de ficar bem sem compreender,
mais:
de não querer compreender,
aquela paz de saber lidar com a paranóia,
paz que só os aditivos podem dar,
só os aditivos,
só.
Ou quase só.
Ou quase só totalmente.
Porque o corpo é tanta coisa
e tanta coisa conflitante.
Disse: está tudo bem.
Está.
Está tudo bem por enquanto.
E dançou a noite inteira.


mrs. mojo rising