12 de mar. de 2007

Ovos fritos

Como estivesse morrendo de fome, Carlos entrou num restaurante, um lugarzinho nem lá nem cá, relação custo – benefício condizente com seus rendimentos. Pediu coisa básica:

– Arroz, feijão, batata-frita e um ovo frito, por favor.
– Dois – respondeu o garçom.
– Não, não, um ovo só.
– A casa não trabalha com um ovo só, senhor.

Carlos desorientou-se e não conseguiu responder que também gostaria de uma coca-cola light quando o garçom lhe perguntou se queria

– Algo mais, senhor?

Sem resposta, o funcionário retirou-se. Carlos voltou a si e chamou-o novamente.

– Meu bom rapaz, estou ficando louco, talvez surdo, ou você me disse que não pode me trazer apenas um ovo frito?
– Não, o senhor não está louco nem surdo.
– Sei... E por que isso? Até onde entendo, as galinhas põem um ovo de cada vez, certo? Certo ou errado?
– Senhor, não sei dizer, não.
– Você não sabe dizer se as galinhas colocam um ovo de cada vez?
– O senhor gostaria de falar com o gerente?

Carlos balançou a cabeça num sim, passando a mão pela testa suada. Enquanto o garçom se afastava, pensou que poderia deixar o caso mais barato e aceitar que lhe trouxessem dois ovos fritos. Não pesaria nem no bolso nem no estômago. Comeria um e deixaria o outro lá, ou comeria os dois, tanto faz, isso não mudaria muito o curso da história. Continuaria o seu dia tranqüilamente, sem estresse, sem pensar mais em ovos. Ah... Tudo ocorreria como fora planejado quando resolveu entrar naquele restaurante. Mas Carlos era um homem de princípios. Essa atitude pesaria no cérebro. Não conseguia ceder a uma imbecilidade dessas. Como dormir o sono dos justos depois de tamanho despautério? Não, ele não cederia. Questão de honra.

– Pois não, senhor, eu sou o gerente.
– Bem, é o seguinte: eu quero um ovo frito, apenas um, e esse rapaz disse que vocês só "trabalham" com dois.
– Isso mesmo.
– E por quê? Por que isso? A galinha não põe um ovo de cada vez? Põe, é um ovo de cada vez. Já morei em fazenda, tenho certeza disso. E mesmo que pusesse dois, ora bolas, eu, agora, nesse momento, só quero...
– Acalme-se, senhor,o senhor está ficando vermelho.

Carlos passou a mão pela testa novamente.

– A questão é simples, senhor: os dois ovos são uma longa tradição aqui no nosso restaurante, que já existe há 47 anos. O nosso restaurante. A tradição é um pouco mais recente, deve ter aí uns 30. Sempre servimos ovos em pares. Nossos clientes assíduos já sabem disso e até gostam dessa nossa peculiaridade. Os novos, quando ficam sabendo, não questionam e até gostam também, pois sempre acabam comendo os dois. Muitas vezes não sabemos medir nossa real fome, não é mesmo? Até poderíamos, senhor, quebrar essa regra agora, trazendo apenas um ovo na sua refeição, mas teríamos de resolver uma situação complicada.

Pausa.

– Que si-tu-a-ção?
– Pense bem, senhor, pense bem: se sempre vendemos os ovos em pares e agora vendermos apenas um para o senhor... Entende?
– Entende o quê?
– Senhor... Não é óbvio?
– ...
– Senhor! O que faríamos com o outro ovo? O que faríamos com o ovo que deveria acompanhar esse um que o senhor pediu? Hein? Hein?


clarissa

Essa história é baseada em fatos reais.

9 comentários:

Testando disse...

FANTASTICAMENTE ODIÁVEL!!! e AINDA ESCUTEI AO VIVO!!! PERFEITO RSRSSR

Anônimo disse...

Eu tinha respondido aqui um testamento e não entrou nada!!! Carai!!!

Bem, seguinte: eu queria colocar "traduções" como nome do blog, mas já existia. Então pensei em "traduções de quatro" (*rs*), mas não consegui achar a quarta pessoa por aqui - três já é meio doido, não acha? (*rs*) Então ficou isso: "traduções de três". Também não gosto muito, se você tiver alguma sugestão, por favor, não se acanhe.

Beijos.

Testando disse...

achei o nome super interessante, minha dúvida era sobre o criar e o traduzir, mas vi que é meio mesclado... também tinha dúvidas qnt ao tres, pois deu um sentido muito misterioso... tres pessoas diferentes ou uma mesma pessoa com pseudonimos diferentes e estilos distintos.... rsrsrs viajei bastante nas possibilidades!! Bjs

Anônimo disse...

Ah... o traduzir é no sentido de traduzir-se, de jogar para fora idéias, sentimentos, não só nossos, mas dos outros também e até aqueles completamente inventados.

Quanto a sua dúvida... O que você acha? :)

Beijos.

Anônimo disse...

Bem, rsrsrs sinceramente difícil, analisando os comentários e conversas dos distintos autores, poderia dizer que são pessoas diferentes; porém até hoje pessoas podem jurar que Álvaro de Campos, Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Bernardo Soares também são pessoas distintas, dependendo do ponto de vista eles eram... Nem td é o q deveria ser! rsrsrs Observando a qualidade dos textos não duvido de mais nada e fico com a sutilidade da dúvida rs ;P Bjs

Anônimo disse...

Malandro... Você é o líder do movimento "Em cima do muro", né? *rs* Eu também não digo nada.

Beijos

Anônimo disse...

Não é possível que alguém ainda duvide de que nós somos três. Por Deusquenãoexiste (expressão utilizada por outros blogueiros, inclusive pelas que dividem esse espaço aqui comigo, mas devidamente inventada por mim!!!)... Olha aqui, amo a cacá, amo a mojo, mas, dá licença, querido, eu sou de outro naipe, ok? Gatinho, o dia que você me conhecer, você vai entender. :)

Beijinhos.

Anônimo disse...

Nossa bonnie qnt modéstia! rsrsrsrs não é minha vontade ofender ninguém!! Uma pessoa com textos fantásticos é ótimo, quem dirá tres !! Quem sabe um dia eu comprove...

Bjins

Anônimo disse...

Não liga pra bonnie, ela é assim mesmo, agressiva, metida, arrogante... Mas é gente boa. :)

Beijos.