23 de mar. de 2006

Uma volta

Eu vinha andando pela rua, distraída, sem missão, quando notei um sujeito na outra calçada me encarando. Encarei também, ele desviou. Bom sinal. Os bichos reconhecem o poder do outro ao desviarem o olhar.

Era um rosto familiar. De onde? Pensa daqui, dali, não tenho tanta idade para ficar esquecendo fisionomias. Olhei de novo, contraindo a sobrancelha. Ele desviou de novo, olhando para o bico do sapato. Olhar bico do sapato é meio deprê, mas minha curiosidade era enorme. De onde? De onde conheço esse cara? Fui lá perguntar.

Ao me ver atravessando a rua, fez que ia andar, mas parou, indeciso. "Ei", chamei. Ele voltou a cabeça: "Opa". E, então, lembrei. Foi exatamente isso que ele me disse quando nos vimos pela primeira vez: opa. Acho "opa" uma coisa meio brega de se dizer, mas eu estava boazinha no momento.

A gente se conheceu numa situação complicada. Eu estava em missão, com mais três camaradas, denominada "cem anos de perdão", inspirada naquele ditado e em Gabriel Garcia Marquez. (É, o chefe é culto.) O tal que agora estava na minha frente era um dos seguranças de um dos dez bancos que depenamos naquele período. Eu tinha entrado antes no local, desarmada, para me posicionar estrategicamente perto do cofre, e foi ele que liberou aquela porta chata para mim. "Opa". Eu respondi: "E aí?" O cara me comeu com os olhos. Natural. Não porque eu seja irresistível, mas porque ele é homem e eu estava de shortinho e top. Eu o achei bem caidinho.

Mas quando o assalto foi declarado e ele me viu gritando para o tesoureiro "abre essa porra logo, imbecil, o dinheiro não é teu, deixa de ser otário", olhou para mim com uns olhos tão arregalados que eu tive pena. Da pena para a vontade de dar foi um pulo. Ah, às vezes eu gosto de um homem com medo, para pôr no colo. Ao sair, mesmo correndo, falei meu telefone para ele, que estava rendido no chão por um outro camarada.

Ele nunca ligou. Pensei que não tivesse conseguido decorar o número.

- Decorei, sim - disse, com os mesmos olhos arregalados do primeiro dia. E falou algarismo por algarismo.

- Legal - respondi - Mas por que não ligou?

- Não sei. Acho que tive medo. Você é assaltante e eu sou segurança, né?

- Sei.

- Mas... Você está de bobeira agora? Quer dar uma volta?

- Uma volta?

- É.

- Não, não, obrigada. Uma volta eu posso dar sozinha. Quando quiser fazer algo mais animado, me liga.

Ele poderia ser um bom contato para futuros assaltos. Mas também poderia ser um alcagüete, um X-9, o que, arrisco dizer, seria até mais provável. Bem, de qualquer forma, para o bem ou para o mal, ninguém pode dizer que não dei chance para o rapaz.


bonnie

3 comentários:

Diógenes Pacheco disse...

Malandro é malandro, e mané é mané... :)

[]´s

Anônimo disse...

Bonnie,
Nada pior que falta de atitude...Pensando bem, pior que isso é definir padrões; ele, segurança, vc assaltante. Que coisa mais estática!

Anônimo disse...

Não é, Baiano? Essa parada aê. :)

Beijos.

Pois é, Fellow. E o mané acabou se fodendo. Quer dizer, acabou não se fodendo, se é que você me entende, gatinho. hahahahahaha

Beijos.