22 de jun. de 2006

A morte, ela, aqui, depois

Sempre achei esquisito uma pessoa morta, porque não consigo ver uma pessoa ali. Parece um boneco. E sempre me dá vontade de dizer "ei, acorda, vamos dançar, está um dia lindo lá fora". E estava mesmo lindo aquele dia em que a vi deitada, como uma boneca. Como se a vida se despedisse, feliz por mais uma que cumpre sua função e se vai, em paz. Mais uma que vai parar de sofrer, porque essa vida é mesmo um sofrimento. Mais uma que sai desse mundo que só pode ser uma piada de muito mau gosto.

Tanta coisa que eu não disse. E se tivesse dito? Ali, deitada, ela não era mais uma pessoa e nada do que eu tivesse dito faria diferença. Alguns chegavam e falavam com ela. Eu não consegui. Eu mal conseguia chegar perto. De que adianta ela ali, deitada, sem sorrir? E depois, quando a colocaram naquele lugar, eu consegui ajoelhar e rezar e chorar e ficar triste como nunca. Triste como nunca antes estive. Cada porrada que eu levo acho que é a pior, mas não demora muito vem outra, uma ironia imbecil, como quando a gente diz "só falta chover", e no minuto seguinte começa a chover.

E por mais que eu dance, que eu cante, que eu sorria, que eu beba, que eu fume, que eu beije, que eu escreva, por mais que faça tudo que tenho feito desde então, sempre fica a tristeza lá, martelando em algum canto do cérebro, algo pesando, me puxando para baixo. E, principalmente, por mais que eu fique triste de repente, vem a lembrança dela me fazer recordar que é só para a morte mesmo que não há solução. Ahhhh... Como uma frase batida faz um sentido dos diabos! Eu, que sempre tento fugir dos clichês, não posso escapar disso agora: é só para a morte que não há solução. É só diante dessa bendita-maldita que se fica completamente impotente. Não dá para escrever carta, pedir desculpas, revanche, fazer a fila andar, sair de casa, procurar outro emprego. Nada. Não se pode fazer nada. Absolutamente nada.

Eu queria muito, muito mesmo, que existisse algo depois. Lembro que pensei nisso pela primeira vez aos sete, oito anos de idade, andando de bicicleta aqui na vila. Eu tinha ouvido um papo dos meus pais sobre o assunto e fiquei impressionada. Meu pai fez uma metáfora de um ventilador pifando com a vida se esvaindo - meio brega, admito, mas interessante - e minha mãe falou alguma coisa sobre alma. Aquilo ficou na minha cabeça. Eu fiquei pensando que seria legal morrer e rever as pessoas queridas que morreram antes. E hoje eu penso nisso com tanta força, com tanta vontade, que chego a quase acreditar.


mrs. mojo rising

4 comentários:

Anônimo disse...

Muito bonito o q vc escreveu!
Fica tranquila q ela vai estar sempre entre a gente... no nosso carater, no nosso jeito de agir, nas nossas atitudes... essa eh uma solução pro q vc diz nao ter solucao... ;>
beijooo

Anônimo disse...

Oi, Fer. Quanta honra um comentário seu por aqui. Você tem razão, ela está por perto, sim. :)

Beijos.

Anônimo disse...

É, a Fer tem razão mesmo. E é muito bonito o que vc escreveu.
Sabe, hj mesmo depois do revival que está acontecendo na minha vida, peguei uma agenda de 1989.
Tem um dia que eu conto que fui pra sua casa, brincamos, e ficamos conversando sobre coisas que não conseguiamos ter resposta. A gente sempre questionou a morte, se havia alguma coisa além. Parecia que quanto mais falávamos, mais perto da verdade chegaríamos. Mas essa resposta nunca veio.
Tb acho que a pessoa morta parece um boneco. Sempre tive essa sensação. É muito estranho.
É uma pena que eu não possa te dar uma resposta, uma certeza, nem fazer nada.
Mas continuo aqui, pra gente conversar sempre!
bj

Anônimo disse...

Adorei seu comentário, Mi. Cara, a parte mais legal é quando você diz "brincamos". Muito bom, né? Outra lembrança forte que tenho é de a gente ouvindo "As quatro estações", em disco ainda, e repetindo mil vezes "Sete cidades".

Mas conversar acho que é melhor do que receber respostas. Até porque eu gosto mesmo é de perguntar e de pensar e de perturbar os outros. hahahaha

Beijos.