31 de mar. de 2006

Brasil, mostra a tua cara

Lemos em No Mínimo sobre recente pesquisa feita pelo Ibope, revelando que "o eleitor brasileiro é conivente com a corrupção política e que a falta de ética não é um problema apenas da classe dirigente: 75% dos brasileiros acreditam que cometeriam um dos atos de corrupção listados na pesquisa se estivessem no lugar dos políticos denunciados".

Isso apenas confirmou uma coisa da qual nós - eu, bonnie e clarissa - sempre desconfiamos. E, depois, esses manés do IFCS vêm dizer que Sérgio Buarque de Holanda já era, que "Raízes do Brasil" não tem nada a ver, que está ultrapassado. Há dois grupos de pessoas que nos irritam profundamente: os que odeiam algo só porque esse algo é "velho" e os que odeiam só porque é "novo". Mas isso é outra história, deixemos para outro post.

Nós não somos legalistas, já que a própria lei é, muitas vezes, feita e usada para manter privilégios, desigualdades sociais, impunidade, e por aí vai. Mas tentamos, sempre, com relativo sucesso até agora, não agir de forma a prejudicar os outros, não cometer atos de corrupção. É verdade. Sem falsa modéstia (se é que se dizer correto seja tirar onda), nós tentamos viver na linha do "bem". A questão é que esse bem, como as aspas indicam, é relativo. Talvez seja mais do bem não cumprimentar aquela vizinha escrota do que ser educado. Os casos precisam ser analisados individualmente.

Não somos certinhas no sentido de respeitar autoridades apenas por serem autoridades. E o Estado é uma, não é? Então, como já disse, não somos legalistas. Os leitores constantes deste blog estão cansados de saber que nós defendemos a ocupação de terras e de prédios vazios, por exemplo. Ou, então, que admiramos um belo assalto a banco, aquele bem-feito, em que clientes e funcionários não são importunados nem feridos e em que o dinheiro roubado, do banqueiro ladrão, é usado em alguma causa nobre. O problema é que assaltante de banco pensa como os 75% da citada pesquisa: se dar bem fácil e rapidamente. O resto que se foda. Quer dizer, menos a bonnie. Nossa bonnie é gângster por ideologia, não quer enriquecer com suas ações, só quer dar uma de Robin Hood. Né, Bonnie? O quê? Você quer dar para o Robin Hood? Mas, bonnie, se o cara realmente existiu, já morreu há tempos. Não "dá" mais. *rs*

Mas, eu, sinceramente, não acredito mais que algo possa dar certo nessa luta de se fazer um mundo melhor. Eu acho que o "bem" perdeu. Pelo menos por um bom tempo. Às vezes, concordo com o personagem anarquista de "Germinal", do Emile Zola: destrói geral e começa de novo.

mrs. mojo rising

23 de mar. de 2006

Uma volta

Eu vinha andando pela rua, distraída, sem missão, quando notei um sujeito na outra calçada me encarando. Encarei também, ele desviou. Bom sinal. Os bichos reconhecem o poder do outro ao desviarem o olhar.

Era um rosto familiar. De onde? Pensa daqui, dali, não tenho tanta idade para ficar esquecendo fisionomias. Olhei de novo, contraindo a sobrancelha. Ele desviou de novo, olhando para o bico do sapato. Olhar bico do sapato é meio deprê, mas minha curiosidade era enorme. De onde? De onde conheço esse cara? Fui lá perguntar.

Ao me ver atravessando a rua, fez que ia andar, mas parou, indeciso. "Ei", chamei. Ele voltou a cabeça: "Opa". E, então, lembrei. Foi exatamente isso que ele me disse quando nos vimos pela primeira vez: opa. Acho "opa" uma coisa meio brega de se dizer, mas eu estava boazinha no momento.

A gente se conheceu numa situação complicada. Eu estava em missão, com mais três camaradas, denominada "cem anos de perdão", inspirada naquele ditado e em Gabriel Garcia Marquez. (É, o chefe é culto.) O tal que agora estava na minha frente era um dos seguranças de um dos dez bancos que depenamos naquele período. Eu tinha entrado antes no local, desarmada, para me posicionar estrategicamente perto do cofre, e foi ele que liberou aquela porta chata para mim. "Opa". Eu respondi: "E aí?" O cara me comeu com os olhos. Natural. Não porque eu seja irresistível, mas porque ele é homem e eu estava de shortinho e top. Eu o achei bem caidinho.

Mas quando o assalto foi declarado e ele me viu gritando para o tesoureiro "abre essa porra logo, imbecil, o dinheiro não é teu, deixa de ser otário", olhou para mim com uns olhos tão arregalados que eu tive pena. Da pena para a vontade de dar foi um pulo. Ah, às vezes eu gosto de um homem com medo, para pôr no colo. Ao sair, mesmo correndo, falei meu telefone para ele, que estava rendido no chão por um outro camarada.

Ele nunca ligou. Pensei que não tivesse conseguido decorar o número.

- Decorei, sim - disse, com os mesmos olhos arregalados do primeiro dia. E falou algarismo por algarismo.

- Legal - respondi - Mas por que não ligou?

- Não sei. Acho que tive medo. Você é assaltante e eu sou segurança, né?

- Sei.

- Mas... Você está de bobeira agora? Quer dar uma volta?

- Uma volta?

- É.

- Não, não, obrigada. Uma volta eu posso dar sozinha. Quando quiser fazer algo mais animado, me liga.

Ele poderia ser um bom contato para futuros assaltos. Mas também poderia ser um alcagüete, um X-9, o que, arrisco dizer, seria até mais provável. Bem, de qualquer forma, para o bem ou para o mal, ninguém pode dizer que não dei chance para o rapaz.


bonnie

21 de mar. de 2006

Clichê

Era uma menina,
idade de menina,
cara de menina,
jeito de menina.
Mas já tinha outra
menina,
precisando de cuidados,
idade de menina,
cara de menina,
jeito de menina.
Trabalhava
em vez de estudar.
Clichê?
É.
A vida é um clichê.
Feia.
Pobre.
Chata.
Pequena.
Difícil.
Triste.
Igual.
Clichê.
Como não vou escrever
clichê,
se quero escrever
da vida?
Peço desculpas
pela falta de
originalidade.
Falta de
criatividade.
Falta de
imaginação.
Peço desculpas
pela dose de
realidade.
Dose de
frustração.
Dose de
desesperança.
Pelo clichê,
enfim.

mrs. mojo rising

16 de mar. de 2006

Dores e tentativas

Ontem à noite fui ao banheiro. Voltei, nariz ardendo, voltei para onde estava antes, era onde mesmo? Por aí, acho. Por ali. Por lá. Ando aqui e sem aqui e, quando você está por perto, espero um sinal, um chamado. Espirro sem parar, três segundos entre um atchim e o próximo. Alguém enche meu copo de cerveja, eu não agüento mais cerveja, mas essa garrafa fui eu que paguei, então bebo. De repente você diz coisas bonitas, não, não posso escutar, não devo. Preciso me tornar uma pessoa fria e calculista, pensar apenas em mim, em ganhar dinheiro, em fugir daqui. Aqui está muito ruim, não está? Meu nariz diz que está. O Brasil já era. Projeto que deu certo, porque foi projetado mesmo para dar nisso. Já era? Não, nunca foi. Nunca será. O Brasil faliu.

Meu nariz arde, espirro, rinite alérgica, justifico para alguém que me olha debochando. Não, era do ruim. Se fosse do bom, não estava assim. Sorrio. É... Não sei, não entendo muito disso. Sei... É verdade. Mas você vem sempre aqui? Só quando quero matar aula. Quer matar aula hoje? Quero. Então vem para cá, senta aqui perto de mim. Não posso. Por quê? Não sei, não me lembro, atchim, meu nariz, puta que pariu, não me lembro, mas sei que não posso. Eu sei por quê, mas não acho que seja um bom motivo. Não? Não. Então vou sentar aí. Isso. Mais cerveja? Não, obrigada, não gosto muito de cerveja. Como assim? Assim, ué, não gostando. Não gosto e pronto. Não gosto. Mas gosta do banheiro, né? Ah, sim, do banheiro gosto muito. Vamos lá? No banheiro? É. Vamos.

Não era com você que eu queria estar. Nem com ele. Era comigo. Não ando comigo há um tempo. Minha vez. Atchim. Tenho andado muito, mas nunca comigo. "This is not how I am." Você é linda. Às vezes. Agora está, linda, linda, linda. Posso mostrar onde dói? Pode. É aqui, ó. Levanto a blusa, estou sem sutien. Eu queria ficar com você, mas não posso, não me lembro por quê, mas... Não faz isso. Não. Faz. Faz. Mais. Sua língua é grande. Como é mesmo seu nome? Eu quero te comer, garota, só isso. Tudo bem, também só quero dar. Estou apaixonada, mas não por você. Não quero saber mais nada. A gente nunca pode saber mesmo de tudo, então melhor não saber de nada. Vou tirar minha calcinha, ainda bem que estou de saia. Atchim. Será que vai arder para sempre? Será que vai doer para sempre?


mrs. mojo rising

12 de mar. de 2006

Para ele

Ele não lê poesia.
Mesmo assim,
escrevo versos
à noite,
na terça,
no ônibus,
surtada.
Tento sonetos,
canções,
rimas,
concretismo,
dadaísmo,
realismo,
sem ismos.

Ele não lê poesia.
Tem todas as palavras
na boca
e uma pressa
incompreensível,
por isso
- ou apesar? -
apaixonante.
A poesia está nele.
É ele o que tento
passar para o papel.
Cada letra é
um pedacinho de sua pele.
Cada frase,
uma parte do que há por dentro.
Mas ele não sabe.

Ele não lê poesia.


clarissa

8 de mar. de 2006

Dia Internacional da Mulher

Abrimos mão também hoje para dar espaço a Adélia Prado. Poesia recebida da querida Ana Paula, por e-mail.


Quando nasci, um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.



É isso aí: desdobrável. Também somos.

bonnie/ mrs. mojo rising/ clarissa

Pedido urgente

Precisamos de ajuda.

Contra, entre outras coisas, uma vontade inexplicável de morrer.

bonnie/ mrs. mojo rising/ clarissa

PS: Reparem que não está em itálico, por favor.

6 de mar. de 2006

"Conversa de bois"

Hoje não publicaremos nossos textos. Daremos lugar a quem sabe (ou melhor, soube) escrever como poucos. Com vocês, Guimarães Rosa:

- (...) Começamos a olhar o medo... o medo grande... e a pressa... O medo é uma pressa sem caminho... É ruim ser boi-de-carro. É ruim viver perto dos homens... As coisas ruins são do homem: tristeza, fome, calor - tudo, pensado, é pior...

- Mas, pensar no capinzal, na água fresca, no sono à sombra, é bom... É melhor do que comer sem pensar. (...) É bonito poder pensar, mas só nas coisas bonitas...

"É isso mesmo... Só o que é bonito... O que é manso e bonito... Eu até queria contar uma coisa... Sabia de uma coisa... Sabia, mas não sei mais"... (...) "Não encontro mais aquilo que eu sabia... Coisa velha... Também, vem tanta coisa para a gente pensar!... Vêm, como os mosquitos maus, da beira do mato... Perto do homem, só tem confusão..."


bonnie/ mrs. mojo rising/ clarissa

2 de mar. de 2006

Quadro

Choveu e fez sol e apareceu um arco-íris. Custei a ver porque olhava para o chão. Alguém me chamou, levantei a cabeça, percebi as sete cores. Sorri por hábito, lembrei o que vi na parede do meu quarto. Faz tempo. Quem me chamou? O menino que balança a cabeça e segura minha mão. Vamos atrás do arco-íris? Não, é piegas. É, é piegas, ainda mais que todo mundo sabe que não há pote de tesouro no fim. Mesmo assim, era bonito ver o menino colorido, parecendo fazer parte daquele meio círculo.

Não consegui soltar minha mão, embora fosse fácil, pois os dedos apenas se encostavam. Tive medo de quando o arco-íris sumisse, e eu sabia que iria, mas aquele era um quadro tão bonito! Não quis mais olhar para o chão. Sorri, agora não por hábito nem por lembranças, mas porque me senti bem, quase completa, não triste, quase feliz. Pensei por que não? Nada a perder. Nada que já não tenha perdido. Pintei-me no quadro e fiquei colorida também.


clarissa