29 de dez. de 2006

Fim de ano

Tempo de novo passando,
sempre passa,
mas no fim do ano fica mais visível.
Ciclos.
Natal, reveillon, carnaval, semana santa, festa junina, aniversário, outro feriado etc sempre igual.
A gente muda, eu sei.
Normalmente melhor por fora,
pior por dentro.
Ou o contrário, mas é exceção.
Eu mudei assim: mais magra e mais triste-cansada.
Cansada-triste.
Pequenas alegrias satisfazem.
Quem não foi ao fundo do poço não sabe
o que é verdadeiramente uma alegria química.
Os paraísos artificiais de Baudelaire.
O tempo passa diferente nesses momentos.
Não me importam os seus ponteiros,
fico esperta.
Mais dia menos dia dou-lhe uma rasteira.
Ele não perde por esperar.


mrs. mojo rising

Coração e outros assuntos supérfluos

Perto demais do coração, ele estava. Do meu. Antes eu não fugiria, nem tentaria, mas hoje... Olho a baía de Guanabara pela janela, lá em cima do morro um bondinho, morro de medo de altura. (Morro substantivo, morro verbo. Bacana essa língua portuguesa. Bacana existirem as palavras, não sei o que eu faria sem elas.) Acho que tenho vertigem, porque sinto vontade de me jogar quando estou em lugar alto. Vertigem não é isso? A baía de Guanabara, vista assim de longe, filtrada por uma janela e pela distância, fica linda, linda. Não que seja feia de perto, mas suja. E fedida. O bom é que não sinto cheiro. Rinite e outras coisas. Há um lado muito bom mesmo, porque a maior parte da cidade fede. As pessoas fedem também, mas é um outro tipo de fedor. É por dentro. E esse tipo eu sinto mais facilmente. Não tanto, mas estou aprendendo. Não que eu queira, mas é preciso. Como é preciso ficar atenta à aproximação dele. Perto demais do coração.

clarissa

7 de dez. de 2006

Aquilo de novo?

E depois de tanto tempo, percebo que ainda persiste. Como podem conviver coragem e medo? Mas é o que digo. Andam juntos por aqui os dois sentimentos. Vai fazer um ano desde que morri e ressuscitei. Não queria escrever sobre isso, jurei para mim mesma não tocar no assunto nem em pensamento, mas a jura se perdeu entre uma lembrança e uma fisgada, numa combinação relâmpago-trovão, uma relação de causa e efeito.

Sei do mal e do bem que tudo isso me fez. Do mal, desnecessário falar. Do bem, é similar a quando eu tinha 12 anos e coloquei os óculos com dois graus de miopia pela primeira vez. O mundo é diferente. Sim, o mundo é mesmo muito diferente. Antes dos 12, era mais embaçado. Antes dos 28, mais bonito. Mas a questão é: depois dos 12 ficou mais nítido; depois dos 28, mais real.

Eu teria milhares de outras coisas para escrever sobre este tema, mas vou aproveitar o sono e fugir. Medo? Não sei. Acho que agora é coragem. Coragem de não mexer tanto na ferida e, assim, não sofrer por algo que, na verdade, não faz mais diferença, que é menor do que a melancolia parece mostrar, mais insignificante do que a paranóia sugere, mais bem do que mal, no fim das contas onde dois mais dois são quatro, sim.


mrs. mojo rising

12 de nov. de 2006

Seis às Seis ou Hexágono Mágico

Seis pássaros
Seis gatos
Seis anjos-demônios
Não queriam voltar

Seis pares de olhos
Seis bocas
Ver e devorar
Seis barrigas
Seis pares de pés
Digerir e caminhar
Seis pares de asas e garras
Voar e lutar

Da noite, alegria
Do dia, tristeza do tempo
Que passa, desgraça, correndo

Vontade de segurar
O subjetivo do subjetivo do subjetivo
O que desmancha no ar
O que faz qualquer frase
Sorriso virar
A certeza de que tudo vai bem
Ainda que se saiba do contrário
Do não
Do mal, do mau e do vão


mrs. mojo rising

31 de out. de 2006

Sonho de consumo do momento



Gabriel... Nós nem sabemos o nome completo do moço, mas estamos completamente apaixonadas por ele.

24 de out. de 2006

Perfect Day



Just a perfect day
Drink sangria in the park
And then later when it gets dark
We go home

Just a perfect day
Feed animals in the zoo
And then later a movie too
And then home

Oh it's such a perfect day
I'm glad I spend it with you
Oh such a perfect day
You just keep me hanging on
You just keep me hanging on

Just a perfect day
Problems all left alone
Weekenders on are own
It's such fun

Just a perfect day
You make me forget myself
I thought I was someone else
Someone good

Oh it's such a perfect day
I'm glad I spend it with you
Oh such a perfect day
You just keep me hanging on
You just keep me hanging on

You're going to reap
Just what you sow
You're going to reap
Just what you sow
You're going to reap
Just what you sow
You're going to reap
Just what you sow


(Velvet Underground)

mrs. mojo rising

20 de out. de 2006

Carta de gata

Eu era uma gata preta e derrubava as coisas da sua casa para que você me deixasse sair. Você sabia que, se eu quisesse, poderia me desviar de todos aqueles porta-retratos e os outros objetos feios e inúteis que ocupavam sua estante. Quando eu derrubava, era porque precisava sair, precisava que você abrisse a porta e me deixasse ir. E eu sempre voltava.

Ao contrário do que muitas pessoas pensam, eu não voltava por causa da comida ou da casa, não. Eu voltava porque sentia sua falta. É verdade, não faça essa cara de humano descrente, vocês ficam horrorosos, patéticos, tentando parecer espertos e desconfiados como nós. Já reparou que, quando eu voltava, me enroscava nas suas pernas e lhes dava umas belas lambidas? Acha que faço isso com qualquer um? Você é um ser inacabado, sua espécie raramente sabe usar o cérebro que possui (embora conheça aritmética, literatura e a lua), vocês não conseguem lamber-se a si próprios nas partes íntimas (em geral, pelo menos) e não são capazes de se espreguiçar como nós, mas, ora, que grande droga ter de reconhecer isto!, simpatizo com você, de verdade.

Eu derrubava as coisas da sua estante entulhada de objetos feios e inúteis - reconheça! - para sair, sempre marcava com outros gatos da rua, os que não tinham casa. Você sabia da minha predileção - os vira-latas, a ralé, a gataria maltratada da Barão e arredores, a matilha suja e (en)cantadora. Mas eu sempre voltava, não é? Sempre. Se não voltei dessa vez, acredite que foi por um bom motivo. Ah, meu caro ser humano, foi, sim. Saiba que estou feliz com minha decisão. Não vou negar que sinto falta do conforto - a comida fácil, o sofá quentinho, o monitor do computador (tão bom dormir ali em cima), aquelas roupas bem passadas onde eu me jogava, a tábua de passar, ah, grande tábua de passar, aquelas luzes na TV etc etc etc. Mas sinto falta principalmente de você. Sério, seu bobo, não faça bico. Sabe que o escolhi à primeira vista, não sabe? Mas estou feliz, estou muito feliz, e é isso que dois amigos devem desejar um para o outro, certo?

Uma lambida nas suas pernas,

você sabe.


clarissa

8 de out. de 2006

Vamos fugir?

O mocho e a gatinha foram para o mar
Num lindo bote verde-ervilha
Eles tinham mel e grana a granel
E uma nota de um milha

O mocho olhou para o céu
E cantou na viola de lata
"Que linda gata, que linda gata
Deus me deu
Me deu, me deu
Que linda gata Deus me deu"

O mocho e a gatinha foram para o mar
Num lindo bote verde-ervilha
Eles tinham mel e grana a granel
E uma nota de um milha

O mocho olhou para o céu
E cantou na viola de lata
E de braço dado, na praia do lado
Saíram a dançar sob a luz do luar

Luar, luar,
Luar, luar


(The owl and the pussy-cat - trecho extraído da tradução de Augusto de Campos - belamente interpretado por Adriana Partimpim no DVD do show homônimo)

3 de out. de 2006

Do querer e do poder

Caminha como se não.
Parece viver outro tempo.
Possui mãos que tocam algo
que nem se sabe existir.
Fala como se dançasse
e dorme como poema.

Parece viver outro lugar.
Seu ouro está escondido
em uma cor que não é de ouro,
porque é de outro tipo.
Sabe que me encanta,
que, se eu fosse quem já fui,
morreria em sua vez.

Um dia percebi,
quando falou e eu não ouvi,
boba que fico quando perto.
Olhos de vidro através do
meu nu, não físico,
mas químico, psicológico,
frágil.
Disse-me:
"Eu entendo, mas não posso".

Eu entendi.


clarissa

1 de out. de 2006

Um chato para Clarissa

Eu, às vezes, queria fazer ou descobrir, ouvir ou falar, ler ou escrever uma coisa assim que me fizesse entender por que estou aqui até agora. Uma coisa que me fizesse dizer "ahhh, por isso nasci". Durante um tempo, cheguei a achar que tinha uma missão, e, devo confessar, essa idéia ainda não me é de todo estranha - talvez por isso não tenha tido coragem para "aquilo" até hoje. Ah, esperança, já dizia o Manuel que "peso mais pesado não conheço não". Mas, quase três décadas depois, ando ainda (preciso de um sinônimo para essa palavra) à procura de tal tarefa. Nada me parece mais razoável do que minha incrível habilidade para responder mal, provocar e irritar meus contemporâneos, mas isso não é missão que se apresente, pois não?

Ou sim? Mania que a gente tem de grandeza. Não é totalmente plausível que eu esteja predestinada a ser uma chata? Simplesmente uma chata. E, puxa!, até que uma chata do meu tipo (existem vários tipos de chatos, gostaria de deixar bem claro) é uma figura muito importante na vida de um ser humano, justamente para combater a mania de grandeza que eu mencionei no início deste parágrafo. (Parágrafo criado, na verdade, devido à crítica de um amigo, que nem sei se ainda - preciso de um sinônimo - me lê, sobre a desimportância de textos de internet, tão minúsculos e efêmeros. Se ele já reclama de dois, três, quatro parágrafos, imagina de um!) Contra tal mania, nada melhor do que um chato para dizer "não, discordo", "ah, que grande bobagem você disse", "tem certeza? Qual é a sua fonte?", "você isso, você aquilo, você aquilooutro" etc etc etc. E um chato nunca se cansa.

(Vamos ao terceiro parágrafo, então?)

Às vezes acontecem coisas, pequenas coisas, coisas corriqueiras que quase me fazem pensar "é por isso, é claro". Pessoas, lugares, comidas... Mas lá vem a maldita mania de grandeza (acho que estou precisando de um chato por perto). É que lá bem no fundo eu ainda - um sinônimo - acredito que há algo me esperando na próxima esquina, no próximo dia, na próxima aula, no próximo encontro, no próximo próximo. Acredito que alguém ou algo, um marciano ou uma pedra ou uma gata (conheço uma, pretinha de olhos amarelos, muito suspeita) vai me chamar sussurrando "ei, você, venha cá, pegue sua missão" e eu, disfarçadamente, vou pegar um papel onde estará escrito o que é que vim fazer aqui, diabos! Preciso mesmo de um chato mais chato do que eu para me colocar no meu lugar de simples mortal.


clarissa

29 de set. de 2006

Vush!

O tempo passa na nossa frente e nada se pode fazer. A gente corre na frente dele, conheço gente que corre mesmo, rápido, e voa, e faz mil coisas, correndo, sempre, e, mesmo assim, vush!, o tempo passa. Nem Einstein descobriu como fazê-lo parar, com toda a sua relatividade que, de tão popular, virou frase de banheiro: "o tempo é relativo, só depende de que lado da porta você está". E é irônico, o bicho: no melhor da festa, resolve andar ainda mais rápido.

Ontem sonhei com uma pessoa que vejo passar na minha frente com freqüência e que, infelizmente, só me escapa. Sei que o tempo não é razoável, cada dia a mais é um dia a menos, mas que fazer? É chegar e dizer "então, agora?" Não dá. Embora saibamos do tempo finito, há ainda certa etiqueta a ser seguida. Que eu odeio, ah, como odeio, mas chegar "então, agora?" Simplesmente não dá. E é para morrer que fico quando o tempo do dia está acabando e ele me escapando, por entre copos de cerveja, músicas estridentes, meus beijos de "oi, tudo bem?", meus olhos que se distraem com uma bobeira qualquer, uma frase errada ou aquela que não disse.

Fosse outro, não me incomodaria tanto, pois é bem verdade que o que me aflige pode não causar nenhum desconforto nele. Talvez fosse mesmo o caso de ouvir "não quero", se conseguisse quebrar a barreira. Mas sabe quando se tem quase certeza da vitória? Às vezes acontece, e é essa a história. Sinto como se tudo dependesse de mim para vingar. Que é só eu conseguir ultrapassar a parede invisível para tudo acontecer. Que ele jamais diria "não quero" se soubesse do que penso a respeito.

Mas eu ainda espero um sinal concreto, cética que sou. Esse papo de intuição, feminina ainda mais! Balela! Eu sei do risco, um dia aqui, outro ali, e quando vemos, vush!, o tempo passou como um foguete. Que ele corre mesmo, não é piada. Eu própria observo às vezes - é preciso muita concentração - e o sinto passando por mim, quase o enxergo com duas perninhas correndo muito, mais do que o recorde de atletismo. Mas preciso de um sinal concreto.


clarissa

26 de set. de 2006

Soneto da separação

Abrimos espaço para Vinícius de Moraes:

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.


clarissa, mrs. mojo rising, bonnie

Quem há de negar que é superior?

O amor nem sempre é sexual.
Entende-se a frase,
mas não se crê.
Dizer "eu te amo" complica.
Mulher? Lésbica.
Homem? Apaixonou-se. Quer fornicar.
Ora, ora, cambada.
Graças ter capacidade
para amar infinitamente
sem nada do corpo em troca querer.
Sem querer casa, filhos, família.
Sem nada exigir.
Sem fidelidades imbecis.
Sem ciúmes.
Afinal, quantos amigos não cabem
em nosso combalido coração?


clarissa

18 de set. de 2006

We would be better without you

Muita gente diz que não mudaria nada em sua vida se pudesse voltar no tempo. "Me arrependo do que não fiz", costuma-se dizer. Pois nós mudaríamos quase tudo entre os 20 e os 28, a partir de um encontro que, feliz ou infelizmente (não sei se é mais reconfortante não se sentir culpada), aconteceu a nossa revelia.



clarissa, bonnie, mrs. mojo rising

14 de set. de 2006

Equívoco

Não somos estranhos.
Eu não odeio estranhos.


mrs. mojo rising

13 de set. de 2006

Em Porto Alegre - Parte II

Andei uns quinze minutos pela rua desconhecida. Não fazia idéia de onde estava. Ninguém fazia. Idéia de onde eu estava. Saí de casa depois de meu amigo, que fora trabalhar. Não por acaso. Não, nada desse papo "não há coincidência, tudo tem um motivo, o destino, o universo e blábláblá". Quero dizer que eu quis, conscientemente, cair naquela rua desconhecida e movimentada da cidade para mim desconhecida e bela. Meti-me por entre as pessoas que andavam de um lado para o outro, pelos camelôs, trombei num senhor que me disse um palavrão. Olhei para o céu e me senti livre, mas foi estranho. Entendi que liberdade tem a ver com esquecimento, ausência, fuga. Ninguém sabia onde eu estava, nem eu mesma. Sabia o nome da rua, da cidade, do estado, do país, mas, bah (irresistível), isso não é saber onde se está, certo? Claro que sim. Eu não sabia para que lado ficava a casa do meu amigo, por exemplo. Para onde ficava minha casa, tão distante? Não sabia. Isso é a liberdade. É isso. Não é possível ser livre quando as pessoas que sabem quem você é sabem onde o encontrar.

Mas de repente eu avistei um prédio já meu conhecido: o Mercado Público. E de repente de novo, alguns segundos depois, o meu amigo passou do meu lado. Eu o chamei, diabos, eu poderia ter simplesmente continuado a andar, porque ele não tinha me visto. Mas eu o chamei. E descobri que minha impulsividade é maior do que meu desejo de ser livre.


clarissa (claro, como não?)

31 de ago. de 2006

Aos porcos, a lama

Achava trágico que uma pessoa possa fazer tão mal a outra e continuar vivendo como se nada tivesse acontecido. Agora, vejo que pode ser pior, o que só confirma aquela teoria de que tudo sempre pode piorar. Além de continuarem vivendo como se nada tivesse acontecido, os vermes gostam de posar de baluarte da moral e dos bons costumes. Não acho mais trágico. Hoje, acho cômico. Principalmente porque todo mundo sabe. Quem pensam que estão enganando?

Pois bem, descobri que enganam. Não é cômico demais? O sujeito posa de bom moço e as pessoas, mesmo sabendo que ele não passa de um verme, aplaudem-no. É engraçadíssimo, sim.

Mas ainda pode ser pior. Sim, pode. Sempre pode. Às vezes, a vítima passa a ser o algoz. "Oh, você ainda pensa nisso? Que mesquinho!"

Não acho mais trágico, não. Acho mesmo uma coisa bem engraçada. Mas, ao contrário dos macacos de auditório, eu não aplaudo, não. Eu sinto é cada vez mais nojo. E estou preparada para o dia em que poderei vê-los chafurdando como porcos, que é o que são, em poças de areia movediça. Podem apostar que, se me for concedida a dádiva, vou ajudá-los a se afundar cada vez mais.

Pareço infantil? Pois me soa melhor do que ser hipócrita, sórdido, monstro, verme, porco. Cada um com seus valores.


bonnie

29 de ago. de 2006

Em Porto Alegre

Olhar a cidade estranha através desta janela,
grande,
sem cortinas,
me comove.
À minha direita,
uma cidade estranha,
pequena,
numa janela grande,
sem cortinas,
me comove.
Faz sol, mas está frio.
Estou longe de casa
como há tempos quero.
Quem dera não precisar voltar.
É como taquicardia - vida e morte.
Nove andares me separam do chão,
mas não me arrisco, por teimosia.
Eu quero ir até o final.
Agora, eu vou até o final.
Sou do tipo que teima com alemão,
com reacionários e
com gente de temperamento sórdido.
Gosto das batalhas perdidas,
das pessoas perdidas,
dos meninos que prestam atenção ao rock
e têm olhos escuros e brilhantes.
Gosto de você.
E como gosto de você!,
que um dia se chama Artur,
outro, João,
e depois, Vinícius.
E hoje... Hoje ainda é o nome de ontem.


mrs. mojo rising

23 de ago. de 2006

Aprendizado

Ele disse que não sabia por que não sabia.
Que não sabia por que não queria sempre.
E eu?
Eu queria, sim senhora.
E falei com todas as letras:
E U Q U E R I A.
E sabia por que queria.

Mas ele deu de ombros.
Não queria sempre, fato.
Mas não sabia por quê.
O que ele não sabia é que não era nada de mais o que eu queria.
Era só uma sinceridade.
Era só um mínimo-saber.
Era só um respeito.
Era que ele quisesse também quando eu quisesse.
E não só quando ele quisesse e eu não pudesse.
Era que não me fizesse sentir assim-como-agora.
Assim para lá.

A verdade é que ele não quis nunca.
E eu, idiota, quis quase sempre, como sempre.
Sabia sempre, como sempre.
Falei tudo sempre, como sempre.
Fui sincera como não se pode ser - monólogo.
Como sempre.


clarissa

21 de ago. de 2006

Coelho Neto

Estive no passado hoje,
a caminhar com medo
por entre os adultos,
a fugir das outras crianças
e dos cachorros.

Adolescente,
vergonha de pôr o biquíni,
de conversar.
Trio óculos-espinha-aparelho.

A casa continua igual,
enorme,
ou fui eu que não cresci?

Finjo melhor agora segurança,
saber o que quero.
Restaram marcas do trio,
mas ganhei um ar de certeza
difícil, luta diária.

Agora me escondo justamente
quando falo e falo e falo
sem parar.
Quando ponho o biquíni
e solto fumaça.
Quando tomo pílulas
e giz.
Quando forço esquecer
e sorrio.
Quando falo de mim
com empolgação.
Quando seguro o choro
na sua frente.

Aprendi a camuflar medo
e vergonha.
Dor, frustração.
Rejeição.
Aprendi a não entender
e deixar por isso mesmo.

Aprendi a amar em silêncio,
a dormir triste e
a acordar cansada.


mrs. mojo rising

17 de ago. de 2006

Os "u" da culpa e o papel

Perceba que não é sempre
esse jeito extrovertido e alegre.
Que nos momentos tristes
há desistência e morte,
atos vis, perversidade.
Maldade.
Mesmo que venha uma cuuuulpa,
tão grande que não caiba na palavra.
Que a repetição de vários "u"
tenta mostrar que é intensa, eterna.
Em vão, pois que
seriam necessários infinitos "u",
tantos "u" quanto houvesse de papel na Terra.
E como papel significa árvore,
tantos "u" quanto houvesse de árvore.
E como árvore significa natureza,
seria preciso destruir a natureza
para ter muito papel,
para poder ficar a vida inteira
escrevendo "u",
para mostrar a culpa
quando se está em momentos
de desistência e morte.

Mas agora,
chegando ao final do meu discurso,
perceba que não faz o menor sentido.
Há tempos não uso papel para escrever.


mrs. mojo rising

7 de ago. de 2006

Não desculpo

Tirando duas frases - "Como o dia que roubaram seu carro deixou uma lembrança" e "É que eu deixei algumas roupas penduradas" -, eu acho essa música linda e perfeita para colocar aqui hoje.

Desculpe, estou um pouco atrasado
Mas espero que ainda dê tempo
De dizer que andei errado e eu entendo

As suas queixas tão justificáveis
E a falta que eu fiz nessa semana
Coisas que pareceriam óbvias até pra uma criança

Por onde andei enquanto você me procurava?
Será que eu sei que você é mesmo tudo aquilo que me faltava?

Amor, eu sinto a sua falta
E a falta é a morte da esperança
Como um dia que roubaram seu carro
Deixou uma lembrança

Que a vida é mesmo coisa muito frágil
Uma bobagem, uma irrelevância
Diante da eternidade do amor de quem se ama

Por onde andei enquanto você me procurava?
E o que eu te dei foi muito pouco ou quase nada

É que eu deixei algumas roupas penduradas
Será que eu sei que você é mesmo tudo aquilo que me faltava?


(Nando Reis)

clarissa

Carta

Às vezes vejo sua cara suja atrás dos postes. Olho para o chão e vejo seus pés deformados dentro de um sapato horrível. Agora posso enxergar sua alma, e ela é a mais feia que já passou por mim.

Ontem comi um pastel que se chamava amor. Engraçado, não é? Eu achei. Amor. Chocolate, morango e castanhas.

Às vezes lembro de tudo e dói agudo por aqui. Bem aqui, forte. Ficou uma cicatriz enorme, muito maior que a da barriga. Quem me dera mil cicatrizes pelo corpo. Acho que as marcas internas latejam para sempre.

Anteontem tive um pesadelo com você.

Às vezes penso que fiquei fechada para certas coisas. As coisinhas bobas de cartas apaixonadas, andar de mãos dadas, fazer planos. Não consigo mais isso, por mais que goste de outras pessoas - e eu gosto, gosto muito de algumas outras pessoas, talvez até haja uma em especial. Mas, por esquecimento ou precaução, deixo para lá.

Semana passada eu senti um medo desgraçado.

Às vezes eu olho para trás. Recaída. Fico triste, como agora, tão triste que chego a chorar e a ficar piegas e a escrever textos ruins como este (não, não é charminho, estou achando ruim mesmo, mas e daí? Necessidade, necessidade, necessidade!!!). Na maior parte do tempo, consigo seguir em frente e não pensar em tudo o que ainda me faz mal, mas às vezes... Às vezes eu olho para trás e fico assim, como estou agora. Fico mesmo assim, triste. Triste-triste-triste. É uma dor bem aqui, sabe? Acho que não. Não, você não sabe.


clarissa

28 de jul. de 2006

Medida certa

Por isso tem uma hora
que a gente nem vai
pra não ter que voltar.
Que a gente nem fala
pra não ter que explicar.
Que a gente nem dança
pra não ter que parar.
Que a gente nem ama
pra não ter que odiar.

Mas vem o medo de não ser mais
gente.
De virar uma espécie de
planta.
De ficar cético,
azedo,
vinagre.
Sem expressão,
sem vontades,
sem caminhos,
sem paixões.

Sem sofrimento, é bom,
mas sem alegria também.

Qual é a dose?


mrs. mojo rising

19 de jul. de 2006

Sono

Eu fugi para o outro lado, o lado oposto. Pela química, não só fumaça, pela cabeça, mais do que medo. Calculei milimetricamente a distância de ver você e você não. Não só vergonha, mais do que sem controle. Tanta coisa consumindo meu corpo, mais mal que bem. Do bem, a vontade de continuar, não lembrar, acreditar, torcer, rezar até, por que não? - se não se ganha, também não se perde mais do que minutos. Do mal, desse há muito, infinito, mas ainda ganho a luta e ainda não é a prorrogação. Nos pênaltis, a sorte ajuda.

A fuga é providencial. Alivia. Afastada, respiro melhor. Nem tanto - rinite, fumaça -, mas isso é outra história. Respirar nunca me foi mesmo movimento fácil, não o faço sem sentir, natural. Costume, então agüento. O que é que não se agüenta nessa vida? Disso poderiam falar os suicidas, antes do ato. Mas antes do ato, quem sabe? Dizem que é sempre planejado e calado, mas sei não. Desconfio dos planejamentos e dos silêncios. Nos tropeços é que consegui as melhores cartadas. As piores também, mas isso não atrapalha minha teoria, porque as sentenças não se anulam.

É engraçada essa necessidade de vir aqui cuspir. E dolorosa, mais do que a fuga. Sim, é complicado fugir, cansa, obriga a uma atenção constante. Cuspir, também, por outros motivos, é meio óbvio - exposição, espelho, incompreensão, elucubrações, minhas e alheias. É chato explicar a piada, mas eu faço com parcimônia e paciência, tentando evitar mal-entendidos, embora ao final me esgote mais do que o próprio cuspir ou fugir. Afinal, a culpa é minha. Também seria assim com os suicidas, acredito. E como explicar a piada da morte? Mas o principal é o contraditório - por que cuspir e ter contato se tento desesperadamente fugir? Nesse caso, o suicídio é mais coerente.


mrs. mojo rising

14 de jul. de 2006

João e Maria

- João, eu não vou.
- Ah, vai. Vai sim.

Eu fui, então. Como discutir com João? Discuto com qualquer pessoa, menos com João. João é meio burro, leva trezentas horas e alguns minutos para entender uma explicação um pouco mais complexa do que algo como "porque eu não estou a fim".

Ele pegou minha mão e fomos andando meio descompassados. Meu pé ia ao chão quando o dele saía. Eu não sabia aonde estávamos indo e, embora contrariada, estava tranqüila, aceitara a derrota e seguia para a guilhotina, ainda na esperança, talvez, de ser salva pelo mocinho na hora exata.

- Mas o mocinho não é o João?
- Não, o mocinho ainda não apareceu neste filme.

- O quê?
- O que o que, João?
- Falando sozinha?
- Pode ser.
- Doida.

Chegamos a uma casa velha, um som tocava alto "like a rolling stone...". Ah, não, preciso sair daqui. Não demorou a aparecer na porta o diabo que me arrancou o coração. Seus olhos pareciam dizer que faltava pegar o resto do corpo e eu já estava quase acreditando nisso, quase pronta para a execução, quando João pegou de novo a minha mão e disse:

- Eu sei lá o que é, mas acho que você tem razão. Vamos embora daqui.
- Obrigada, João.

Ele sabia o que era, sim.


mrs. mojo rising

11 de jul. de 2006

Dessa coisa chamada esperança

(...) Por isso, quem não está satisfeito com a escassez que lhe coube na desigual distribuição dos bens do planeta, agarra-se à esperança de que o diabo nem sempre vai estar atrás da porta e que a riqueza lhe entrará mais cedo ou mais tarde pela janela dentro. Quem tudo perdeu, mas conservou ao menos a triste vida, considera que lhe assiste o humano direito de esperar que o dia de amanhã não seja tão desgraçado como o foi o dia de hoje. Supondo, claro que está, que haja justiça neste mundo. Ora, se neste mundo existisse algo que merecesse semelhante nome, não a miragem do costume com que se iludem os olhos e a mente, mas uma realidade que se pudesse tocar com as mãos, é evidente que não precisaríamos de andar todos os dias com a esperança ao colo, a embalá-la, ou embalados nós ao colo dela. A simples justiça (não a dos tribunais, mas a daquele fundamental respeito que deveria presidir as relações entre os humanos) se encarregaria de pôr as coisas nos seus justos lugares. Dantes, ao pedir a quem se acabava de negar a esmola, acrescentava-se hipocritamente que "tivesse paciência". Penso que, na prática, aconselhar a alguém a que tenha esperança não é muito diferente de aconselhá-la a que tenha paciência. É muito comum ouvir-se dizer que a impaciência é contra-revolucionária. Talvez seja, talvez, mas eu inclino-me a pensar que, pelo contrário, muitas revoluções se perderam por demasiada paciência. Obviamente, nada tenho de pessoal contra a esperança, mas prefiro a impaciência. Já é hora de que ela se note no mundo para que alguma coisa aprendam aqueles que preferem que nos alimentemos de esperanças.

José Saramago

Bão balalão,
senhor capitão,
tirai esse peso
do meu coração.
Não é de tristeza,
não é de aflição,
é só esperança,
senhor capitão.
A leve esperança,
área esperança,
área, pois não.
Peso mais pesado
não existe não,
ah, livrai-me dele,
senhor capitão.


Manuel Bandeira, musicado por Secos & Molhados

5 de jul. de 2006

Apaixonei-me



No divino impudor da mocidade,
Nesse êxtase pagão que vence a sorte,
Num frémito vibrante de ansiedade,
Dou-te o meu corpo prometido à morte!

A sombra entre a mentira e a verdade...
A nuvem que arrastou o vento norte...
Meu corpo! Trago nele um vinho forte:
Meus beijos de volúpia e de maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço...
São os dedos do sol quando te abraço,
Cravados no teu peito como lanças!

E do meu corpo os leves arabescos
Vão-te envolvendo em círculos dantescos
Felinamente, em voluptuosas danças...


(Florbela Espanca - "Volúpia")

bonnie

3 de jul. de 2006

Para E. S.

Todos os ângulos

Ficou de perfil para meu poema,
perfeito para uma foto pb.
Mas eu não sei pintar
a não ser em palavra.
Eu não sei falar
a não ser em branco.
Mas eu sei o que há
e é quase perfeito como uma foto pb.
Eu sei que está guardado
na minha melhor caixinha de
segredos e carinhos e suspiros.
Eu sei que é delicadeza
num tempo avesso,
é um sempre-querer.
Do sorriso ao sem-jeito,
dos óculos às mãos brincando
com o papel do cigarro,
da voz à implicância,
de todo o resto e
de todos os ângulos.
Eu sei que é um tempo bom
esse de ver seu perfil.


clarissa

2 de jul. de 2006

Para minha avó

[...] Que a saudade é o pior tormento
É pior do que o esquecimento
É pior do que se entrevar

[...] Que a saudade dói como um barco
Que aos poucos descreve um arco
E evita atracar no cais

[...] Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu

[...] Que a saudade dói latejada
É assim como uma fisgada
No membro que já perdi

[...] Que a saudade é o pior castigo [...]


(Chico Buarque)

28 de jun. de 2006

A vila - um filme sobre medos

Simplesmente lindo. (Estou falando do filme. Mas Joaquin Phoenix também se encaixa nesse adjetivo, claro.)



"Às vezes, nós não fazemos o que queremos. E as pessoas ficam sem saber o que queremos."

"- Por que você não fala o que pensa?
- E por que você fala tudo o que pensa?"

"- O que o faz pensar que ele tem interesse em mim?
- Ele não a toca."

Melhor cena:

A moça, cega, está na porta de casa com a mão estendida, enquanto todos já estão devidamente protegidos no porão, fugindo de "aqueles de quem não falamos". Ela espera pelo moço que ama, que estava do lado de fora da casa, para poder fechar a porta e se esconder também, com ele, no porão.

Essa confiança, essa certeza de que se deve correr perigos pelo seu amor, pois, sem ele, a vida não fará sentido, é a melhor coisa que alguém pode sentir. Mas às vezes sinto que não sou mais capaz disso, que nunca mais serei.

mrs. mojo rising

22 de jun. de 2006

A morte, ela, aqui, depois

Sempre achei esquisito uma pessoa morta, porque não consigo ver uma pessoa ali. Parece um boneco. E sempre me dá vontade de dizer "ei, acorda, vamos dançar, está um dia lindo lá fora". E estava mesmo lindo aquele dia em que a vi deitada, como uma boneca. Como se a vida se despedisse, feliz por mais uma que cumpre sua função e se vai, em paz. Mais uma que vai parar de sofrer, porque essa vida é mesmo um sofrimento. Mais uma que sai desse mundo que só pode ser uma piada de muito mau gosto.

Tanta coisa que eu não disse. E se tivesse dito? Ali, deitada, ela não era mais uma pessoa e nada do que eu tivesse dito faria diferença. Alguns chegavam e falavam com ela. Eu não consegui. Eu mal conseguia chegar perto. De que adianta ela ali, deitada, sem sorrir? E depois, quando a colocaram naquele lugar, eu consegui ajoelhar e rezar e chorar e ficar triste como nunca. Triste como nunca antes estive. Cada porrada que eu levo acho que é a pior, mas não demora muito vem outra, uma ironia imbecil, como quando a gente diz "só falta chover", e no minuto seguinte começa a chover.

E por mais que eu dance, que eu cante, que eu sorria, que eu beba, que eu fume, que eu beije, que eu escreva, por mais que faça tudo que tenho feito desde então, sempre fica a tristeza lá, martelando em algum canto do cérebro, algo pesando, me puxando para baixo. E, principalmente, por mais que eu fique triste de repente, vem a lembrança dela me fazer recordar que é só para a morte mesmo que não há solução. Ahhhh... Como uma frase batida faz um sentido dos diabos! Eu, que sempre tento fugir dos clichês, não posso escapar disso agora: é só para a morte que não há solução. É só diante dessa bendita-maldita que se fica completamente impotente. Não dá para escrever carta, pedir desculpas, revanche, fazer a fila andar, sair de casa, procurar outro emprego. Nada. Não se pode fazer nada. Absolutamente nada.

Eu queria muito, muito mesmo, que existisse algo depois. Lembro que pensei nisso pela primeira vez aos sete, oito anos de idade, andando de bicicleta aqui na vila. Eu tinha ouvido um papo dos meus pais sobre o assunto e fiquei impressionada. Meu pai fez uma metáfora de um ventilador pifando com a vida se esvaindo - meio brega, admito, mas interessante - e minha mãe falou alguma coisa sobre alma. Aquilo ficou na minha cabeça. Eu fiquei pensando que seria legal morrer e rever as pessoas queridas que morreram antes. E hoje eu penso nisso com tanta força, com tanta vontade, que chego a quase acreditar.


mrs. mojo rising

17 de jun. de 2006

Por que me ufano de Dapieve

(...) Não é que eu não vá torcer pelo escrete, nada disso. Também não se trata daquela velha arenga de esquerda, "o futebol é o ópio do povo". Vou torcer desesperadamente, como fiz quando do regime militar, da República de Alagoas ou do tucanato. Contudo, ando irritado com a transformação da torcida pela seleção do Brasil em orgulho de ser brasileiro. (...)

Arthur Dapieve em No Mínimo.

bonnie

Posso passar mal também?

Peraí, deixa ver se eu entendi: Ronaldo ganha muito dinheiro, muito dinheiro mesmo, para jogar futebol. De quebra, pega muita mulher bonita e faz uns comerciais que lhe dão mais grana e fama ainda. É admirado e reconhecido no mundo todo. Quase todos os brasileiros torcem por ele nesta Copa do Mundo, assim como torceram na anterior e entenderam o seu piripaque. Ainda assim, ele precisa de carinho para poder jogar bem? É isso mesmo? Se ele não se sentir amado - coitado! - ele não consegue jogar bem?

Acho que eu vou usar esse argumento aqui no trabalho também: "Olha, chefinho, hoje eu não vou escrever as matérias direitinho, não, porque você não está me dando carinho suficiente, viu? Mas nem pense em me demitir ou reduzir meu salário no fim do mês. Se o Ronaldo pode, eu também posso. Agora dá licença que eu vou passar mal".

mrs. mojo rising/ clarissa

16 de jun. de 2006

15 de jun. de 2006

Abelha se mata num copo de café

Uma abelha de nome e idade indefinidos matou-se nesta quinta-feira, por volta das 15h, caindo dentro de um copo de café. O copo, de plástico, estava em cima de uma mesa do setor de comunicação social do Palácio Guanabara, e pertencia à jornalista MC, que não quis se identificar. "Estou muito abalada com esse suicídio. Me sinto responsável, pois, afinal, fui eu que coloquei o copo ali, com o café quente dentro. Será que foi suicídio mesmo? E ainda que tenha sido, de qualquer forma, eu facilitei", disse MC, aos prantos.

Foi encontrado, porém, em cima do computador que MC usava, um bilhete, provavelmente uma carta-despedida-explicativa da abelha suicida. Especialistas em linguagens de animais ditos irracionais estão agora tentando decifrar o conteúdo do papelzinho. "Temos de verificar o tamanho dos "z" e a forma como foram escritos, se têm serifa ou não, se estão em negrito ou itálico, e outros detalhes, para entender o que a pobre abelha quis deixar para a posteridade", explicou Abelhardo Zangão, cujo nome é uma homenagem a esses bichinhos que fabricam mel.

Até o fechamento desta edição, Zangão havia conseguido decifrar ao menos uma palavra do bilhete: amor.


clarissa

Um dia

Foi um dia assim que imaginei para a gente: eu dizendo coisas bobas, emocionada com uma rosa de Drummond no asfalto, e você, embora não entendendo a metáfora, feliz por estar comigo. Eu não acharia nada esquisito, o seu diferente-mas-igual me animava. A sua tentativa de ser doido. A gente andaria pelas ruas de qualquer país, porque a gente inventaria o país, e depois de anoitecer, quando a lua, lá em cima, desafiasse nossas vistas, a gente faria juras de amor como aquelas que não se cumprem, justamente porque são ditas nos momentos em que se dizem coisas impossíveis. Só os apaixonados são capazes de pensar no impossível.

E eu, que já pensei tantas vezes no impossível, pensei tanta coisa sobre você e sobre a gente. Eu pensei que seria um tempo indeterminado esse de a gente estar junto, como um dia você pediu e eu assenti. E é incrível como, agora, não parece ter sido você. Ontem mesmo sonhei com você, mas não era você. Era você sem ser você. No meu sonho, você não era quem eu achava que era, mas era quem é de fato. Talvez por isso eu esteja bem sem você e em ver você bem sem mim. Porque, de novo, eu havia me apaixonado por alguém que não existe, e você também. Eu não sou aquela, você não é aquele. A gente se confundiu e, agora, não pode mais andar pelas ruas de qualquer país, não pode mais inventar nada nem fazer promessas impossíveis. A diferença entre a gente é que eu acho que sou melhor do que aquela que você imaginou. Mas é claro que o fato de eu ser eu influencia nesse meu juízo de valor.


clarissa

14 de jun. de 2006

Tentativa I

Ainda não consigo escrever sobre você. Aliás, sempre fiz questão de chamar você de você, e não de senhora, porque sempre a senti muito próxima, uma amiga, antes de tudo. E, com amigo, a gente não usa pronome rebuscado.

Ainda não consigo. Já tive várias idéias, mas vou deixar para depois. Só posso dizer, por ora, que sei lá se você está vendo. Meu lado virginiano, cético, diz que não. Mas como sou muitas, há quem diga aqui dentro que você está não só vendo, como rindo aquele seu sorriso cheio de ironia, tão doce e tão debochado ao mesmo tempo.

Ainda não.


clarissa/ mrs. mojo rising/ bonnie

12 de jun. de 2006

Tristes

ESTE BLOG ESTÁ DE LUTO.

clarissa/ mrs. mojo rising/ bonnie

5 de jun. de 2006

A dor e a morte do bichinho

O bichinho ficou ali, durante horas, sofrendo com uma costela quebrada. Quer dizer, não sei se era mesmo uma costela quebrada. Poderiam ser duas costelas quebradas. Ou outra coisa quebrada. Bicho não fala. O certo era apenas que havia algo quebrado dentro daquele corpinho minúsculo, frágil, porque ele não conseguia andar.

O bichinho morreu, enfim. Fiquei aliviada, em parte, pois, com a morte, o sofrimento acabou. Mas comecei a me sentir um pouco culpada, e depois mais culpada, e depois infinitamente culpada, de uma culpa que me curvava os ombros. Achei que deveria ter feito algo, ter trocado de lugar com ele, por exemplo. E nem o fato de ser impossível fazer isso aliviava minha culpa. Eu devia ter trocado de lugar e pronto. Afinal, que diferença faz para a continuidade das coisas que o cadáver seja dele ou meu?

Acho que pensei tanto nisso que, na noite seguinte, comecei a sentir dor no lado direito da minha coluna. Foi uma dor forte, de me prejudicar a respiração. Como se eu tivesse quebrado uma costela. Quer dizer, nunca quebrei uma costela, não sei se a dor é realmente essa. Na hora, achei que sim. E pensei que, tal qual o bichinho, fosse morrer. Resignei-me com o destino e fiquei até alegre, pois não sentia mais culpa. Era como se eu me redimisse, dizendo "olha, bichinho, eu vou morrer também, viu?"

Mas aqui estou, escrevendo. E a dor passou.


mrs. mojo rising

30 de mai. de 2006

Para sempre

Às vezes eu sou
Às vezes não sei
Às vezes nem vou
Às vezes cansei

Há noites iguais
Outras demais
Dias perfeitos
E os com defeito

Há sol que castiga
Chuva que anima
E o contrário também

Há miséria e riqueza
Alegria e tristeza
Na mesma calçada
Na mesma noitada
Na mesma cabeça

Às vezes não sou
Às vezes bem sei
Às vezes eu vou
Às vezes gostei


mrs. mojo rising

23 de mai. de 2006

Perguntas que não querem calar - Parte I

Na chuva

- Por que as pessoas continuam com o guarda-chuva aberto quando já parou de chover?

- Por que as pessoas continuam com o guarda-chuva aberto embaixo de uma marquise?

clarissa

20 de mai. de 2006

Só a arte salva (ou quase - só e salva)

[...]

Embora já tenha chorado e jejuado, chorado e rezado,
Embora já tenha visto minha cabeça (a calva mais cavada)
servida numa travessa,
Não sou profeta - mas isso pouco importa;
Percebi quando titubeou minha grandeza,
E vi o eterno lacaio a reprimir o riso, tendo nas mãos meu
sobretudo.
Enfim, tive medo.

E valeria a pena, afinal,
Após as chávenas, a geléia, o chá,
Entre porcelanas e algumas palavras que disseste,
Teria valido a pena
Cortar o assunto com um sorriso,
Comprimir todo o universo numa bola
E arremessá-la ao vértice de uma suprema indagação,
Dizer: "Sou Lázaro, venho de entre os mortos,
Retorno para tudo vos contar, tudo vos contarei."
- Se alguém, ao colocar sob a cabeça um travesseiro,
Dissesse: "Não é absolutamente isso o que quis dizer,
Não é nada disso, em absoluto."

E valeria a pena, afinal,
Teria valido a pena,
Após os poentes, as ruas e os quintais polvilhados de rocio,
Após as novelas, as chávenas de chá, após
O arrastar das saias no assoalho
- Tudo isso, e tanto mais ainda? -
Impossível exprimir exatamente o que penso!
Mas se uma lanterna mágica projetasse
Na tela os nervos em retalhos...
Teria valido a pena,
Se alguém, ao colocar um travesseiro ou ao tirar seu xale às
pressas,
E ao voltar em direção à janela, dissesse:
"Não é absolutamente isso,
Não é isso o que quis dizer, em absoluto."

[...]


(T.S. Eliot, traduzido por Ivan Junqueira)

19 de mai. de 2006

Pílulas

Ontem, fui dormir hoje. Acordei assustada, você esteve aqui. Não, não esteve, foi sonho. Não, esteve, eu vi, embora não pudesse me mexer. Eu vi você e todo o quarto, que não era o meu, e alguém dizia "eu também quero, eu também quero". Quem dizia? Eu? Você? Havia mais alguém? Eu não sei mais se quero, mas poderia ter dito isso, porque ando muito confusa e cansada. Mas você não diria, porque não quer, eu já sei. E mesmo que quisesse, não diria. Eu sei que você só diz coisas bonitas quando quer dizer coisas feias. E diz coisas feias quando quer dizer coisas bonitas. O que você não sabe é que nem sempre coisas bonitas são mesmo bonitas. E nem sempre coisas feias são mesmo feias. E se você disser que eu estou repetindo as palavras, eu posso dizer que faz parte do meu estilo, quando, na verdade, faz parte apenas do meu cansaço. Eu ando muito cansada, sabe? Um cansaço de como se eu não dormisse há anos. É que não tenho dormido muito bem. Não, não tem a ver com você. Não sempre. Às vezes teve. Às vezes tem. Como ontem, que fui dormir hoje, e acho que sonhei que você esteve aqui, aqui num lugar que nem é o meu quarto e que eu nem sei de quem é. Ou não foi sonho?

clarissa

11 de mai. de 2006

Motivos

Porque foi um beijo bom,
inesperado.
Porque foi na rua,
noite de lua cheia.
Porque vi o medo em você,
e em mim,
e minha noção de sobrevivência
é mínima.
Porque eu quis
como há muito não queria.
Porque você quis,
ao menos por um certo tempo.
Porque senti que o conhecia
há anos, décadas, séculos.
Porque foi o que de melhor
me aconteceu nos últimos tempos,
embora esteja sendo, agora,
o pior.


mrs. mojo rising

29 de abr. de 2006

Extremos

Tenho tanta vontade de viver
quanto de morrer.
Gosto tanto de coca
quanto de chocolate;
da serra
quanto do mar;
de carro
quanto de pé;
de sorrir
quanto de chorar;
de falar
quanto de ouvir;
de dormir
quanto de acordar;
de livro
quanto de tevê;
de deus
quanto do diabo.

Gosto tanto de você
quanto o odeio.


mrs. mojo rising

11 de abr. de 2006

Da saudade

E era uma tristeza
assim de saudade.
Mais saudade que tristeza.
Que se viesses,
eu não resistiria,
embora saiba do espanto,
do engano do amor.

Embora te saiba rocha
que em vão tentei desvendar.
Dura,
invencível,
que nem toda a água do mundo
batendo e batendo e batendo
furaria.

Embora teus atos
não tenham combinado
com tuas palavras
e, então,
eu tenha ficado sem saber
o que de fato era,
o que de fato querias.

Que por ser uma tristeza
assim de saudade,
mais tristeza que saudade,
eu não resistiria
se viesses.
Que a tristeza é suportável,
mas a saudade é dilacerante.


clarissa

Mais novo sonho de consumo



Tiago Martins.

clarissa/ mrs. mojo rising/ bonnie

10 de abr. de 2006

Um coração duro, por favor

Falta de ar. Taquicardia. Morte? Não, nada é fácil. Nem mesmo sei se quero. É só que às vezes penso seria tudo melhor com o fim. Porque o meio é difícil, doloroso. Não lhes parece, em certas horas, que os bons momentos não valem a pena? A mim, parece. Desde que morri, no ano passado, vejo o céu cinza. Pancadas de chuva ao cair da tarde. Nas noites de domingo, trovoadas e relâmpagos. Custa a passar. Desde que morri, num sábado, e ressuscitei no milésimo terceiro dia, tentei ficar atenta. Mas a esperança, essa maldita, não me deixou, me confundiu, aproximou-se novamente, sorrateira, e eu cedi. O bom é que, depois da primeira grande queda, nenhuma outra machuca tanto. Dessa vez, ressuscitei cinco minutos depois. E, em vez da enorme tristeza, veio o alívio. Alívio de estar novamente acordada, atenta, olhos abertos e coração fechado. Como é mesmo, meu amigo? Cafajeste de coração mole? Não, prefiro ser gente bacana de coração duro. É possível? Creio que sim. Se não, que eu seja, então, cafajeste de coração duro. O importante é o coração duro. Uma pedra, uma rocha indevassável, com segredos que nem eu mesma conhecerei. Porque a transparência, a entrega, a sinceridade, como sempre, só têm me feito mal.

mrs. mojo rising

31 de mar. de 2006

Brasil, mostra a tua cara

Lemos em No Mínimo sobre recente pesquisa feita pelo Ibope, revelando que "o eleitor brasileiro é conivente com a corrupção política e que a falta de ética não é um problema apenas da classe dirigente: 75% dos brasileiros acreditam que cometeriam um dos atos de corrupção listados na pesquisa se estivessem no lugar dos políticos denunciados".

Isso apenas confirmou uma coisa da qual nós - eu, bonnie e clarissa - sempre desconfiamos. E, depois, esses manés do IFCS vêm dizer que Sérgio Buarque de Holanda já era, que "Raízes do Brasil" não tem nada a ver, que está ultrapassado. Há dois grupos de pessoas que nos irritam profundamente: os que odeiam algo só porque esse algo é "velho" e os que odeiam só porque é "novo". Mas isso é outra história, deixemos para outro post.

Nós não somos legalistas, já que a própria lei é, muitas vezes, feita e usada para manter privilégios, desigualdades sociais, impunidade, e por aí vai. Mas tentamos, sempre, com relativo sucesso até agora, não agir de forma a prejudicar os outros, não cometer atos de corrupção. É verdade. Sem falsa modéstia (se é que se dizer correto seja tirar onda), nós tentamos viver na linha do "bem". A questão é que esse bem, como as aspas indicam, é relativo. Talvez seja mais do bem não cumprimentar aquela vizinha escrota do que ser educado. Os casos precisam ser analisados individualmente.

Não somos certinhas no sentido de respeitar autoridades apenas por serem autoridades. E o Estado é uma, não é? Então, como já disse, não somos legalistas. Os leitores constantes deste blog estão cansados de saber que nós defendemos a ocupação de terras e de prédios vazios, por exemplo. Ou, então, que admiramos um belo assalto a banco, aquele bem-feito, em que clientes e funcionários não são importunados nem feridos e em que o dinheiro roubado, do banqueiro ladrão, é usado em alguma causa nobre. O problema é que assaltante de banco pensa como os 75% da citada pesquisa: se dar bem fácil e rapidamente. O resto que se foda. Quer dizer, menos a bonnie. Nossa bonnie é gângster por ideologia, não quer enriquecer com suas ações, só quer dar uma de Robin Hood. Né, Bonnie? O quê? Você quer dar para o Robin Hood? Mas, bonnie, se o cara realmente existiu, já morreu há tempos. Não "dá" mais. *rs*

Mas, eu, sinceramente, não acredito mais que algo possa dar certo nessa luta de se fazer um mundo melhor. Eu acho que o "bem" perdeu. Pelo menos por um bom tempo. Às vezes, concordo com o personagem anarquista de "Germinal", do Emile Zola: destrói geral e começa de novo.

mrs. mojo rising

23 de mar. de 2006

Uma volta

Eu vinha andando pela rua, distraída, sem missão, quando notei um sujeito na outra calçada me encarando. Encarei também, ele desviou. Bom sinal. Os bichos reconhecem o poder do outro ao desviarem o olhar.

Era um rosto familiar. De onde? Pensa daqui, dali, não tenho tanta idade para ficar esquecendo fisionomias. Olhei de novo, contraindo a sobrancelha. Ele desviou de novo, olhando para o bico do sapato. Olhar bico do sapato é meio deprê, mas minha curiosidade era enorme. De onde? De onde conheço esse cara? Fui lá perguntar.

Ao me ver atravessando a rua, fez que ia andar, mas parou, indeciso. "Ei", chamei. Ele voltou a cabeça: "Opa". E, então, lembrei. Foi exatamente isso que ele me disse quando nos vimos pela primeira vez: opa. Acho "opa" uma coisa meio brega de se dizer, mas eu estava boazinha no momento.

A gente se conheceu numa situação complicada. Eu estava em missão, com mais três camaradas, denominada "cem anos de perdão", inspirada naquele ditado e em Gabriel Garcia Marquez. (É, o chefe é culto.) O tal que agora estava na minha frente era um dos seguranças de um dos dez bancos que depenamos naquele período. Eu tinha entrado antes no local, desarmada, para me posicionar estrategicamente perto do cofre, e foi ele que liberou aquela porta chata para mim. "Opa". Eu respondi: "E aí?" O cara me comeu com os olhos. Natural. Não porque eu seja irresistível, mas porque ele é homem e eu estava de shortinho e top. Eu o achei bem caidinho.

Mas quando o assalto foi declarado e ele me viu gritando para o tesoureiro "abre essa porra logo, imbecil, o dinheiro não é teu, deixa de ser otário", olhou para mim com uns olhos tão arregalados que eu tive pena. Da pena para a vontade de dar foi um pulo. Ah, às vezes eu gosto de um homem com medo, para pôr no colo. Ao sair, mesmo correndo, falei meu telefone para ele, que estava rendido no chão por um outro camarada.

Ele nunca ligou. Pensei que não tivesse conseguido decorar o número.

- Decorei, sim - disse, com os mesmos olhos arregalados do primeiro dia. E falou algarismo por algarismo.

- Legal - respondi - Mas por que não ligou?

- Não sei. Acho que tive medo. Você é assaltante e eu sou segurança, né?

- Sei.

- Mas... Você está de bobeira agora? Quer dar uma volta?

- Uma volta?

- É.

- Não, não, obrigada. Uma volta eu posso dar sozinha. Quando quiser fazer algo mais animado, me liga.

Ele poderia ser um bom contato para futuros assaltos. Mas também poderia ser um alcagüete, um X-9, o que, arrisco dizer, seria até mais provável. Bem, de qualquer forma, para o bem ou para o mal, ninguém pode dizer que não dei chance para o rapaz.


bonnie

21 de mar. de 2006

Clichê

Era uma menina,
idade de menina,
cara de menina,
jeito de menina.
Mas já tinha outra
menina,
precisando de cuidados,
idade de menina,
cara de menina,
jeito de menina.
Trabalhava
em vez de estudar.
Clichê?
É.
A vida é um clichê.
Feia.
Pobre.
Chata.
Pequena.
Difícil.
Triste.
Igual.
Clichê.
Como não vou escrever
clichê,
se quero escrever
da vida?
Peço desculpas
pela falta de
originalidade.
Falta de
criatividade.
Falta de
imaginação.
Peço desculpas
pela dose de
realidade.
Dose de
frustração.
Dose de
desesperança.
Pelo clichê,
enfim.

mrs. mojo rising

16 de mar. de 2006

Dores e tentativas

Ontem à noite fui ao banheiro. Voltei, nariz ardendo, voltei para onde estava antes, era onde mesmo? Por aí, acho. Por ali. Por lá. Ando aqui e sem aqui e, quando você está por perto, espero um sinal, um chamado. Espirro sem parar, três segundos entre um atchim e o próximo. Alguém enche meu copo de cerveja, eu não agüento mais cerveja, mas essa garrafa fui eu que paguei, então bebo. De repente você diz coisas bonitas, não, não posso escutar, não devo. Preciso me tornar uma pessoa fria e calculista, pensar apenas em mim, em ganhar dinheiro, em fugir daqui. Aqui está muito ruim, não está? Meu nariz diz que está. O Brasil já era. Projeto que deu certo, porque foi projetado mesmo para dar nisso. Já era? Não, nunca foi. Nunca será. O Brasil faliu.

Meu nariz arde, espirro, rinite alérgica, justifico para alguém que me olha debochando. Não, era do ruim. Se fosse do bom, não estava assim. Sorrio. É... Não sei, não entendo muito disso. Sei... É verdade. Mas você vem sempre aqui? Só quando quero matar aula. Quer matar aula hoje? Quero. Então vem para cá, senta aqui perto de mim. Não posso. Por quê? Não sei, não me lembro, atchim, meu nariz, puta que pariu, não me lembro, mas sei que não posso. Eu sei por quê, mas não acho que seja um bom motivo. Não? Não. Então vou sentar aí. Isso. Mais cerveja? Não, obrigada, não gosto muito de cerveja. Como assim? Assim, ué, não gostando. Não gosto e pronto. Não gosto. Mas gosta do banheiro, né? Ah, sim, do banheiro gosto muito. Vamos lá? No banheiro? É. Vamos.

Não era com você que eu queria estar. Nem com ele. Era comigo. Não ando comigo há um tempo. Minha vez. Atchim. Tenho andado muito, mas nunca comigo. "This is not how I am." Você é linda. Às vezes. Agora está, linda, linda, linda. Posso mostrar onde dói? Pode. É aqui, ó. Levanto a blusa, estou sem sutien. Eu queria ficar com você, mas não posso, não me lembro por quê, mas... Não faz isso. Não. Faz. Faz. Mais. Sua língua é grande. Como é mesmo seu nome? Eu quero te comer, garota, só isso. Tudo bem, também só quero dar. Estou apaixonada, mas não por você. Não quero saber mais nada. A gente nunca pode saber mesmo de tudo, então melhor não saber de nada. Vou tirar minha calcinha, ainda bem que estou de saia. Atchim. Será que vai arder para sempre? Será que vai doer para sempre?


mrs. mojo rising

12 de mar. de 2006

Para ele

Ele não lê poesia.
Mesmo assim,
escrevo versos
à noite,
na terça,
no ônibus,
surtada.
Tento sonetos,
canções,
rimas,
concretismo,
dadaísmo,
realismo,
sem ismos.

Ele não lê poesia.
Tem todas as palavras
na boca
e uma pressa
incompreensível,
por isso
- ou apesar? -
apaixonante.
A poesia está nele.
É ele o que tento
passar para o papel.
Cada letra é
um pedacinho de sua pele.
Cada frase,
uma parte do que há por dentro.
Mas ele não sabe.

Ele não lê poesia.


clarissa

8 de mar. de 2006

Dia Internacional da Mulher

Abrimos mão também hoje para dar espaço a Adélia Prado. Poesia recebida da querida Ana Paula, por e-mail.


Quando nasci, um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.



É isso aí: desdobrável. Também somos.

bonnie/ mrs. mojo rising/ clarissa

Pedido urgente

Precisamos de ajuda.

Contra, entre outras coisas, uma vontade inexplicável de morrer.

bonnie/ mrs. mojo rising/ clarissa

PS: Reparem que não está em itálico, por favor.

6 de mar. de 2006

"Conversa de bois"

Hoje não publicaremos nossos textos. Daremos lugar a quem sabe (ou melhor, soube) escrever como poucos. Com vocês, Guimarães Rosa:

- (...) Começamos a olhar o medo... o medo grande... e a pressa... O medo é uma pressa sem caminho... É ruim ser boi-de-carro. É ruim viver perto dos homens... As coisas ruins são do homem: tristeza, fome, calor - tudo, pensado, é pior...

- Mas, pensar no capinzal, na água fresca, no sono à sombra, é bom... É melhor do que comer sem pensar. (...) É bonito poder pensar, mas só nas coisas bonitas...

"É isso mesmo... Só o que é bonito... O que é manso e bonito... Eu até queria contar uma coisa... Sabia de uma coisa... Sabia, mas não sei mais"... (...) "Não encontro mais aquilo que eu sabia... Coisa velha... Também, vem tanta coisa para a gente pensar!... Vêm, como os mosquitos maus, da beira do mato... Perto do homem, só tem confusão..."


bonnie/ mrs. mojo rising/ clarissa

2 de mar. de 2006

Quadro

Choveu e fez sol e apareceu um arco-íris. Custei a ver porque olhava para o chão. Alguém me chamou, levantei a cabeça, percebi as sete cores. Sorri por hábito, lembrei o que vi na parede do meu quarto. Faz tempo. Quem me chamou? O menino que balança a cabeça e segura minha mão. Vamos atrás do arco-íris? Não, é piegas. É, é piegas, ainda mais que todo mundo sabe que não há pote de tesouro no fim. Mesmo assim, era bonito ver o menino colorido, parecendo fazer parte daquele meio círculo.

Não consegui soltar minha mão, embora fosse fácil, pois os dedos apenas se encostavam. Tive medo de quando o arco-íris sumisse, e eu sabia que iria, mas aquele era um quadro tão bonito! Não quis mais olhar para o chão. Sorri, agora não por hábito nem por lembranças, mas porque me senti bem, quase completa, não triste, quase feliz. Pensei por que não? Nada a perder. Nada que já não tenha perdido. Pintei-me no quadro e fiquei colorida também.


clarissa

25 de fev. de 2006

O menino e ela

Tinha olhos amarelos,
o menino.
Era um gato preto,
vira-latas.
Tinha mãos transparentes
e cabelos de vento.
Tinha pouca idade,
muitas vontades,
nenhum juízo.
Ela era assim,
meio assim,
perdida e sozinha,
gostava de música
e tinha pesadelos.
E gostava do menino.
E o menino, dela.
Mas alguma coisa se perdeu,
o caminho era contra-mão,
o ônibus passou direto
e tudo foi como tinha de ser.


clarissa

24 de fev. de 2006

Sobre agora

De perto era aquilo
O contrário do que deve ser
Uma palavra
Um sorriso
E raiva daquele que não pára
Que só passa
Que interrompe
Tempo errado
Vi teus olhos num sinal de trânsito
Não pude atravessar a rua
Um mundo ao contrário
Somos daqui?
Te vi dormindo
Estive no teu sonho como nuvem
Teus olhos mudaram de cor
Ainda assim, não pude atravessar
Desejo de voar
Sair daqui
Sair
Sair
Sair
Ouvi tua voz
Susto
Não sou perfeita
Tive medo
Tenho medo
Tenho a coragem de dizer que tenho medo
E, no entanto, estou bem
Mesmo que o impulso me transforme
Num trapezista sem rede
Num carro sem freio
Num doente sem remédio
Num balão sem gás
Numa esquina deserta e escura
Num avião sem asas
Num pássaro diante de um gato
Estou bem
Estou bem
Estou bem
A química ainda corre pelo meu corpo
Não sinto sede
Não sinto fome
Não sinto cansaço
Não sinto sono
Não te sinto mais
Não te vejo mais
Não me tenho mais
Tremo e trinco os dentes
A química pelo meu corpo
A cabeça que não sossega
Penso da forma que é de pensar em algo bom
Tua risada
Teu cabelo
Tua blusa branca
Tua tatuagem
Tua fama de mau
E se não for o que não tiver de ser
E se for como é para ser
Ou como não é para ser
E se amanhã for um dia chuvoso, feio e cinza
E se não acontecer de novo
E se nunca mais eu vir teus olhos num sinal de trânsito
E se eu não for mais nuvem no teu sonho
Nem louca
Nem medrosa
Nem impulsiva
E se, então, for outra coisa qualquer
Ainda assim terá valor
Valor de lembrança boa
De ar-condicionado em dia quente
De cigarros trocados
De músicas dançadas
De mãos e bocas e o subjetivo
Valor de tempo que não pára quando a vida está [perfeita
Valor que me faz saber que vou morrer de saudade


mrs. mojo rising

20 de fev. de 2006

Paz, pulsos, liberdade

Não sei se a história é exatamente assim. Quem pode saber? Nem os protagonistas podem, porque cada um só vê do seu ângulo aquilo que é sempre muito grande. E as palavras... Quem é que fala e ouve corretamente, no sentido de dizer aquilo que realmente quer? Interpretações, interpretações. E quem é que sabe o que realmente quer? Só sei que me chegou aos ouvidos o seguinte: Marina andava tão triste, tão triste, que cortou os pulsos numa terça-feira de carnaval.

Disseram que o motivo da tristeza era Júlia, a menina de olhos que se fechavam no sorriso. Disseram que ela não quis mais nada com Marina e que Marina não pôde resistir, que Marina só vivia pela Júlia, mas que Júlia já estava cansada e queria ir morar em Barcelona e conhecer uma catalã que soubesse usar castanholas. Disseram também - as pessoas dizem tanto! - que, certa vez, Marina deixou de ir morar em Londres só para ficar aqui com Júlia e que, agora, Júlia, ingrata, abandonava Marina por um par de peitos espanhóis.

Mas alguém disse também que Júlia era só uma menina que gostava de muitas coisas, de sonhar e de ver e de ouvir e de aprender e de sair por aí. Livre. E que não sabia que Marina gostava tanto dela e nem que deixara de ir para Londres por sua causa. Júlia talvez não soubesse que Marina sofria por não conseguir entender esse mundo e que, nela, encontrava a paz que jamais encontrara nos seus 23 anos de vida.

Não sei como tudo se deu de fato. Nem posso garantir que Marina tenha se cortado por causa de Júlia mesmo. Não pode ter sido outro motivo? Sempre pode. Também não me atrevo a julgá-las. Ninguém pode medir o tamanho da dor de quem se corta nem a dimensão do desejo de quem é verdadeiramente livre. Só posso garantir o que disse no início: Marina andava tão triste, tão triste, que cortou os pulsos numa terça-feria de carnaval.


clarissa

16 de fev. de 2006

Noite

De novo uma noite que vem:
trazer lembranças,
cobrar força,
obrigar a enfrentar um sono
tumultuado.
E perguntas sem respostas,
respostas que não ouso.
Não é tristeza, é falta.
De quê, não sei bem.
Não é raiva, é dor.
De quê, sei bem.
Nem melhor nem pior do que outras.
Apenas uma.
A minha.
Minhocas na cabeça,
milhões delas,
paranóia.
A minha.
Minha paranóia é um bicho peludo e feio
que me aparece em sonhos -
pesadelos.
Um bicho com cara de gente,
que gente é que bicho com esse sentido.
Evito dormir,
pois que quando deito e fecho os olhos,
o bicho me domina.


mrs. mojo rising

14 de fev. de 2006

Oh, Clyde!

Não posso explicar como essas coisas acontecem. Só me foi dado o dom de sentir e de ser. Quando fomos apresentados, Clyde mirou no decote do meu vestido e eu fiquei com as pernas bambas. Ora, quantos homens já não tinham feito isso? Quantos já não tinham feito mais do que olhar? Velhos, novos, bonitos, feios, magros, altos etc. Já quase dormi enquanto certos sujeitos beijavam meus seios. Como explicar minhas pernas bambas só com o olhar de Clyde? E só de imaginar o que seriam os lábios de Clyde no meu decote... Ah, só de imaginar, senti aquele arrepio por entre as coxas, subindo assim, sabe?

Clyde é um homem lindo, realmente. Mas isso não é o principal. O importante é que ele parece não ter noção de sua beleza e do poder que vem em conseqüência. Sorri como se seus dentes não fossem os mais brancos de todo esse mundo. Anda como se ninguém estivesse olhando. Fala como se sozinho fosse. Clyde não tem pretensões, é desleixado, não tenta ser mais nem sabe o quanto é. Olhou meu decote ignorando que tem olhos de vidro fatais, com malícia de criança, sem se dar conta de que estava olhando e de que minhas pernas ficaram bambas.

Percebi que era um homem que precisava ser atacado. Se fosse esperar por ele, era capaz de morrer sem conhecê-lo. Biblicamente, quero dizer. E foi uma semana depois do decote que eu o arrastei para as escadas do meu prédio, já sem calcinha - sutien nunca usei mesmo. Ele disse "que isso, menina?" e eu respondi "eu é que pergunto o que é isso, Clyde, ai, meu Deus, o que é isso?" Era um fenômeno. Não exatamente pelo comprimento e largura, mas pela carinha mesma dele, e também pelo gosto. Por tudo isso combinado. Definitivamente, não é tudo igual, não. Clyde me beijava a nuca, descia para os meus seios, barriga, lá, preenchia o vazio que toda mulher sente, um vazio físico mesmo - Freud já disse algo sobre e eu confirmo, que me perdoem as feministas. E era como se eu, mais visitada do que qualquer mulher despudorada, nunca tivesse sido tocada antes.


bonnie

13 de fev. de 2006

Ganhando experiência

Modéstia à parte, eu fui muito bem na minha primeira missão. Já falei sobre isso, sei. O chefe caiu de amores por mim, disse que nunca havia visto uma moleca tão inexperiente fazer um trabalho impecável.

- Eu nasci para isso.
- Tô vendo, tô vendo - dava baforadas num charuto fedorento com um tique sinistro nos lábios.

O reconhecimento é sempre bom, mas devido a isso, minha segunda missão foi assustadora.

A organização estava precisando de armas. Eu e outro rapaz, que já estava há uns cinco anos no esquema, fomos recrutados com o objetivo de interceptar um carregamento de armas para o paiol da Aeronáutica no Rio, o Parque de Material Bélico, no bairro da Ilha do Governador. Na madrugada de uma sexta-feira, furtamos 11 fuzis HK 33 e cinco pistolas calibre 9mm.

Nosso plano era muito simples e, por isso mesmo, muito bom. Além disso, graças aos deuses protetores dos foras-da-lei, as reações correram dentro do esperado. Homem é homem, ou seja, fica babaca quando vê mulher bonita com pouca roupa fazendo cara de frágil e fácil.

Ficamos a umas duas quadras do paiol, em uma rua em que o carregamento seria obrigado a passar. Fingi cair e torcer o pé quando eles dobraram a esquina. Os “bons” moços pararam para me socorrer - madrugada, a rua deserta, pecado deixar uma moça tão desamparada. Eram dois, apenas, e os dois desceram, claro. Ambos queriam tirar suas casquinhas da indefesa aqui. Sempre pensei que esse tipo de coisa fosse feita com mais segurança. Confesso que fiquei decepcionada – fácil demais. Mas nunca reclamo da sorte. Todo sucesso depende de um bocado de sorte e, modéstia à parte, novamente, eu nasci com meu bundão virado para a lua. Ah, não sei de nada nesta vida, mas quanto a isso, menor dúvida.

Como desceram para ajudar uma pobre e linda menina acidentada, não empunharam suas armas. Meu parceiro, que estava do outro lado da rua, deitado no chão como um mendigo, veio por trás e rendeu-os. Ficamos com as armas que seriam entregues ao paiol e com as particulares dos dois manés. Não os matamos, embora vontade não nos faltasse, mas é sempre melhor não deixar mortos. A repercussão é menor. Só um boboca vaidoso gosta de se ver nas páginas de jornais, na televisão. O bom profissional não quer ser reconhecido nunca. O que importa são os resultados.

O sucesso da operação foi tamanho que o rapaz passou a ser chamado de Clyde. Nós nos entendemos realmente bem, desde o primeiro momento. Conseguimos nos comunicar com o olhar até hoje. Incrível! E é óbvio que nos demos bem em outros assuntos também, mas isso é história para outro texto. Prometo que contarei com detalhes.


bonnie

10 de fev. de 2006

Castigo

Havia um menino encostado no portão de um prédio verde e azul, de muros altos e grades de cadeia. Enquanto eu estava pensando que verde e azul é uma combinação horrorosa, notei que ele me olhou desconfiado - o menino, não o prédio, embora, naquela circunstância, eu estivesse absolutamente pronta a enxergar olhos desconfiados em qualquer objeto inanimado. Entendi de pronto: eram três e meia da manhã, Botafogo, e eu estava sozinha, chorando, acendendo um cigarro no outro porque não tinha isqueiro. E eu era, para ele, uma patricinha, apesar de estar infinitamente longe disso. Pois não? Nem que eu quisesse. No money at all, pensei em voz alta.

- Quê?
- Nada.
- Dá um cigarro.
- Você é menor de idade.

Dar cigarro para criança, de jeito nenhum. Mas ele veio atrás. Insistiu um pouco mais e depois falou de outras coisas. Estava quimicamente alterado. Muito quimicamente alterado. Senti cheiro de cachaça e vi um branco no seu nariz.

- Quantos anos tu tem?
- Não sei.
- Pra onde tá indo?
- Tô te seguindo. Pra onde tu vai?
- Não sei.
- Ué, vai pra casa.
- Não tenho casa.
- Tu, bonitona assim, não tem casa? E por que tu tá chorando?
- Tenho uma casa que não é minha. Entende? Tô chorando por isso, e por um monte de outras coisas que eu não poderia te explicar.
- Hum... saquei. Mas... Ah, tu tem casa!
- Sim, tem um lugar onde tenho minhas coisas, onde durmo numa cama, tem ar-condicionado, tem pais e irmãs. Até gato tem. Mas eu não tô lá. Aliás, eu não tô em lugar algum. Eu morri, sabe? Mas esqueceram de me levar para o inferno. Ah, inferno, sim, que eu sei que fiz algo de muito ruim. Não sei o que foi, mas foi muito ruim. Tanto que este é meu castigo: eu morri e não me levaram. Isso é pior do que ir para o inferno.
- Tu não sabe o que é inferno. Se tu vivesse na rua...
- Com certeza tu tá me entendendo, porque tu sabe muito bem o que é viver sem viver, né? Viver de migalha, sem perspectiva e tal. Viver em dor. Não duvido de que tu já tenha sofrido muito mais do que eu. Mas aqui, na rua, agora, quase quatro da manhã, conversando com você, me sinto melhor do que em casa. Estou segura é na rua. As coisas são relativas. Não me sinto bem em casa.
- Tu tá maluca, não sabe o que tá falando. Tem casa, tem pai, tem mãe...
- Eu não sei o que tô falando nem você. Ninguém sabe. Minha dor é minha, só, e a sua, só sua. Eu já quis muito ajudar, mas não soube como. E, agora, tenho que tentar me salvar. Convencer Deus de que eu já paguei o que tinha de pagar. Agora ele tem de me deixar ir. Menino... Como é teu nome?
- Robson.
- Robson, eu morri. Eu não tenho mais alma, sabe? E o castigo é exatamente este: continuar viva estando morta. Entende?
- Entendo.
- Eu sei que sim.


clarissa

29 de jan. de 2006

Poeminha bobo-com-rima na madrugada

Hoje tudo fez sentido,
estão certos os sem direção.
Em verdade, irmãos, eu vos digo:
andai na contramão.

Que o caminho é árduo, não nego,
e é no sofrimento que se vê a cura.
Não tente desfazer o nó cego,
vá, como eu, com ele pela cintura.

Mas o dia virá em que estará desfeito,
e desfeito estando, também parto,
para um decerto lindo leito,
onde o amor será farto.


mrs. mojo rising

Sempre quero algo que me tire do chão. Não, não acontece assim. Não é problema de estar careta. Muitas vezes estive mais sóbria quando não careta. E tantas outras, sozinha quanto menos sozinha.

"Sinta essa brisa", ele disse, e eu tentei sentir, e senti, e a brisa me sussurrou coisas que não fui capaz de entender. Escutei o coração do menino com olhos de vidro e pensei "não é ele". Não, não é ele que vai me tirar do chão. Talvez ninguém possa e talvez - quase certo, creio - seja cruel demais esperar isso de outra pessoa.

Tirei os sapatos, lancei-os ao ar. Os sapatos que me apertam o pé. As correntes que me prendem à terra, me arrastam para baixo, e sempre mais baixo, baixo, baixo, atravessando o chão em direção oposta à do céu com desenhos de nuvens e estrelas que já não existem.

O menino sorria, eu sorri de volta, mas não estávamos felizes. Estávamos apenas ali, caminhando, olhando em direções diferentes, embora não opostas. Eu estava ali pensando o que eu estava fazendo ali, bem ali onde nada havia que me pudesse aliviar a necessidade de querer sair do chão.

Eu estava em mim, ele, nele, e é só assim que as pessoas podem estar.


mrs. mojo rising

27 de jan. de 2006

O começo

Minha primeira missão na organização foi banal, se comparada com as posteriores. Era um teste, apenas, uma provinha de seleção - eu estava concorrendo com uma sirigaita que era louca para transar com o chefe. Na época, porém, fiquei muito nervosa. Eu nunca tinha participado de algo assim, com tão alto teor de ilegalidade. Mas o medo me excita, desde pequena. O chefe disse "é pegar ou largar para sempre". Eu peguei, e peguei bem, e acho que tive meu primeiro orgasmo quando disse "eu pego".

Eu tinha 16 anos, uma criança. O alvo era a casa da bruxa mais bruxa da vizinhança, uma mulher que batia no neto de sete anos com tudo que encontrasse pela frente. A missão era dar uma surra na sujeita. E assim foi. Ninguém nunca descobriu, porque não deixei rastro. A outra, a sirigaita oferecida, foi reconhecida pela voz. Muita gente se dá mal porque fala na hora da atividade, para dar mais emoção ao ato, aumentar o terror, faz ameaças que não cumprirá. Eu não. Eu digo absolutamente nada. E não deixo cair uma gota de suor. Tenho jeito de gato preto em noite sem lua.


bonnie

25 de jan. de 2006

Fratura exposta

E você vem
quanto mais não quero.
Um sonho.
Um livro.
Bebida.
Ando sem rumo.
Ando, ando, ando,
que andar é de graça.

Quantas noites ainda?
Nem sempre me basta
um dia depois do outro.
É quando tento não ser eu.
Meu deus!,
eu tento não ser eu.

Tenho vivido
de esquecimentos,
correndo das lembranças
de uma casa mal-assombrada.
Preciso entender a verdade.
É verdade, verdade, verdade:
não é você,
era você,
foi você
minha fratura mais exposta.


mrs. mojo rising

Convite

Atravessei aquele corredor como quem foge. Não, eu fugia mesmo, com toda a força das minhas pernas, frágeis, inseguras. Os copos de vinho da noite não aliviaram a dor, que é cíclica, o eterno retorno. Ao contrário, jogaram-na para fora, pondo a casa toda dolorida. O sofá, o computador, os livros, sofrendo em silêncio. Eu não estava em silêncio. Tenho, ao menos, o privilégio do choro, do grito, do ranger de dentes, da possibilidade de atravessar um corredor como quem foge.

Mas ainda que corra por toda a eternidade, não estarei livre em canto algum, que é por dentro que me bate o medo, a loucura, a insensatez de ser normal neste que é o mundo mais doente de todos os mundos já vistos ou inventados. Um pouco de paz, é o que almejo. Estenda sua mão para que eu o fure também. Só um pouco, como pouca será a paz. Nós nos furaremos e a dor poderá jorrar. Não, não minta, eu sei que ela também está aí.


mrs. mojo rising

23 de jan. de 2006

Pior que arma

Às vezes não há arma no gatilho. Há coisa pior e a gente só vê o estrago depois, que é a longo prazo. Importa nada ter experiência. Talvez, apenas, um jeito mais leve de encarar o ataque. Talvez, não sei, poderia saber se fosse esperta, mas, ah, definitivamente não sou.

Foi assim quando ele chegou, meio torto, indeciso. Fingi não ver, mas vi bem, que eu vejo muito bem quando não quero. Puxou o gatilho quando eu estava exatamente olhando - não houve tempo de desvio. A bem da verdade, não tentei. Eu tento tentar, sempre, jamais consigo, e acabo estirada no chão, vítima fatal, irreversivelmente atingida, quase em coma.

Minha fixação por olhos ainda acaba comigo. Menor dúvida.


clarissa, mais rápida que bonnie, só para estrear o primeiro contículo.

Tudo pela literatura

"Traduções de três" será um blog com pretensões literárias. Não nos perguntamos mais se somos boas, apenas sabemos da necessidade de escrever e não brigamos mais com ela. Ela, a necessidade. Terrível.

Pensamos em explicar a personalidade de cada uma, mas depois decidimos que seria muito chato, muito bêabá. Não será difícil perceber, de acordo com o que cada uma escrever. Não exatamente devido ao estilo, mas pela forma como cada uma se posiciona diante dos acontecimentos, reais ou imaginários, vividos ou sonhados, ou a mistura.

Prometemos que o próximo post já será um conto de uma de nós. A que for mais rápida no gatilho. Olha a pista aí. Divirtam-se.

bonnie, pelas três.

Is there anybody in?

Estamos de volta, em outra template, com outro título e devidamente identificadas. Sejam bem-vindos os corajosos.

mrs mojo rising, pelas três.