6 de abr. de 2009

Declaração de amor

"- (...) só vejo você por toda a parte e o resto me é indiferente. Por que e como a amo, eu o ignoro. Sabe, talvez você não seja nada bela. Imagine! Não sei nem mesmo se é bela ou não, mesmo seu rosto. Seu coração é seguramente mau e seu espírito muito provavelmente despido de nobreza. (...)

- (...) No meu quartinho, lá em cima, basta que me lembre ou imagine o roçar de suas roupas para ficar a ponto de morder os dedos. (...) Sabe que um dia vou matá-la? Não por ciúmes, nem por ter deixado de amá-la. Não. Vou matá-la simplesmente porque há dias em que tenho vontade de devorá-la. (...)

(...) Deus é testemunha de que não sei se ela é bonita, mas adoro olhá-la quando se planta assim a minha frente - e só porque adoro provocar sua cólera. (...)

- (...) Sou tomado com freqüência por um desejo irresistível de lhe bater, de desfigurá-la, de estrangulá-la. Acredita que não chegarei a tanto? Você me enfurece. Julga que eu temeria o escândalo? Ou sua fúria? Eu me lixo para a sua fúria! Eu a amo sem esperança e sei que depois disso a amarei mil vezes mais. Se eu a matar um dia, será preciso que me mate também. Bom, eu me mataria o mais tarde possível, para experimentar, sem você, este sofrimento intolerável! Saiba de uma coisa incrível: a cada dia eu a amo mais e, no entanto, é quase impossível. (...)

- (...) Sei que quando está comigo, sinto vontade de falar, de falar, de falar... e falo. Perco todo amor-próprio em sua presença e não ligo para isso! (...)

(...)

A culpa é de Paulina, tudo é culpa dela! Talvez eu nem mesmo soubesse cometer gaiatices caso ela não estivesse lá. Quem sabe eu tenha feito tudo aquilo por desespero (ainda que seja estúpido raciocinar assim), e eu não compreendo, não, o que ela tem de bom. Ela é bela, ao menos me parece. E não sou o único que ela põe louco. Ela é alta, bem feita. Mas é demasiado esbelta. Tenho a impressão de que seria possível dar-lhe um nó ou dobrá-la em dois. (...) O desenho de seu pé é longo e delgado... torturante. Torturante, eis a palavra."

(Dostoievski, "O jogador")

2 comentários:

Nira disse...

Fui lendo estes parágrafos, tentando lembrar de onde os conhecia. Faz tanto tempo que li O Jogador. Preciso reler. Cada palavra é escolhida com perfeição.

Adoro quando ele diz que não sabe se ela é bonita. Gosto muito deste trecho também:

"Sabe que um dia vou matá-la? Não por ciúmes, nem por ter deixado de amá-la. Não. Vou matá-la simplesmente porque há dias em que tenho vontade de devorá-la."

Beijos!

maria cristina martins disse...

Também adoro esses trechos, são os que mais gosto também. A gente pensa muito parecido literariamente falando, né? Legal!!!

Beijos.