24 de set. de 2007

Com a palavra, um amigo

Eliot e ela

"Abril é o mais cruel dos meses..."
T. S. Eliot

Ela esqueceu de levar o livro de T. S. Eliot naquela noite e, para mim, foi como se tivesse saído sem um agasalho enquanto o frio do inverno grassava lá fora. Foi como se tivesse saído mais sozinha do que realmente estava naquela noite fria de julho, porque era julho. Em quantos julhos ao redor do tempo e do mundo se esquece Eliot sobre uma mesa na sala? Tenho certeza de que ficou, entre ela e o livro, uma espécie de Fio de Ariadne, delicado, prateado, como aquele fio que atribuem aos espíritos que abandonam o corpo ao sabor sono e viajam pelas esferas.

Em que esfera ela viajava então sem aquele livro bilíngüe? Quando fechamos um livro bilíngüe e a página em inglês fica colada à página em português... será que elas se falam nos seus tantos idiomas? Será que elas trocam de letras e pontuação e brincam nos campos vastos da linguagem? Será que se reconstroem em poemas jamais escritos ou lidos? Então imagino Maria Cristina vagando por aí, com o vazio do livro que ela esqueceu, e pergunto: que tipo de acesso, Maria Cristina, podemos ter aos livros fechados? Às fábulas que se desenrolam dentro deles?

O homem, que criou tantas coisas, não criou a máquina de ler livros fechados. A máquina que me permitiria ver agora dentro do livro fechado de T. S. Eliot e ler que pensamentos ele tem a teu respeito, Maria Cristina, você que o esqueceu aqui. Ver se ele está misturando suas letras e escrevendo cartas tristes para você ou se, através do fio transparente que liga você a ele, estará te chamando de volta, para dentro de seu coração de livro fechado.

Já não é abril, Maria Cristina, e julho é um mês generoso, de olhar terno. No frio da noite que já transita para o dia, que se abrirá em fina neblina, abro o livro que você esqueceu aqui e leio os versos de sempre, que sempre encontro ao abri-lo e sei que já não são os mesmos. Sei que agora eles falam contigo numa linguagem cifrada, embaralhada, que só você compreenderá quando finalmente voltar para buscá-lo. Porque cada poema agora é um chamado, um apelo que se dirige a você. Recolha o fio lentamente, Maria Cristina, com o cuidado que pedem os cristais, que ao fim dele haverá uma lacuna a ser preenchida.


Antonio Castro
para Maria Cristina
julho de 2007

4 comentários:

Toinho Castro disse...

o livro ainda está te esperando.
e não sei se você virá.
:)
um beijo

Anônimo disse...

Eu vou, eu vou, eu vou!!!

Dois beijos.

Anônimo disse...

O "anónimo" somos nós!!!

Anônimo disse...

Lindo. :-)