21 de mai. de 2007

"Ode" ao barulho

Gosto do barulho da cidade grande porque ele abafa meus barulhos internos. Só quem está bem gosta do silêncio. Eu, no silêncio, me desespero. Introspecção, para mim, é sinônimo de dor. Sim, eu me importo com a fome do mundo, com as guerras, com os mendigos que dormem na minha porta. Tenho uma compaixão incomensurável pelo ser humano, principalmente por aqueles que sofrem. Mas a minha dor também é grande, exijo respeito e, na verdade, ela inclui a humanidade inteira. É uma dor anterior a mim, assim como a necessidade de escrever. Antes de eu nascer, já estavam lá as duas, a dor e a necessidade. A diferença é apenas que agora eu entendo melhor como elas se manifestam e o que é preciso fazer para amenizá-las. Tudo que faço, porém, é paliativo.

Sei o que é chorar sozinha num banheiro sujo. Quando ouvia essa música aos dez anos de idade, não poderia imaginar que um dia saberia muito bem seu significado. Sei também o que é a depressão depois da onda, sei o que é onda ruim, sei o que é a morte de uma pessoa querida, sei como fica uma pessoa morta, sei bem. Sei o que é se sentir sozinha. Se tenho muitos amigos, é justamente porque sei. Sei o que é ficar sem dinheiro. Sei o que é traição, o que é mentira, o que é amor, o que é ódio. Sei bem o que é morrer e continuar vivo. Sei o que é acreditar, o que é decepção, o que é frustração. Sei o que é ter força e o que é ter recaída. Todas essas palavras estão muito claras no meu dicionário pessoal e intransferível.

Gosto de não ter motivo para pensar, porque eu penso demais, demais, o tempo todo. Acho linda uma paisagem bucólica, mas ela me oprime, me exige uma serenidade que não tenho. Minha perturbação não combina com a natureza. Gosto do sapato do flamenco batendo na madeira, das palmas e da mulher berrando uma música em espanhol. Gosto do rock cobrindo as cabeças, gosto de falar sem parar, de andar a esmo por entre pessoas apressadas, da pressa, do pouco tempo. Preciso disso, sobrevivo disso. Minha loucura se perde nesse turbilhão e eu passo incólume, ninguém repara. É no barulho da cidade grande que eu escondo e ignoro meus pensamentos que não cessam de me impregnar.

Só quem está bem pode gostar do silêncio. Eu, no silêncio, sinto pavor. Ouço vozes, me lembro de pessoas, de lugares, sinto saudade, vontade de mudar o passado, de mudar o mundo, questiono deus, procuro o diabo. Preciso ir para fora, porque por dentro sou doente. Adoro os passarinhos cantando de manhã na minha janela, mas eles agridem meus ouvidos amargos, falam de uma felicidade que desconheço, representam uma leveza que nunca me foi permitida. No barulho, disfarço melhor os meus monstros, ninguém os escuta. Ninguém percebe minha timidez e a vontade de gritar que preciso de ajuda. Ninguém percebe que eu amo infinitamente as coisas e pessoas e lugares e bichos na mesma intensidade com que os odeio, e que essa dualidade acaba comigo.

Eu me exponho para me esconder. Não me agüento no silêncio. Não caibo em mim.


mrs. mojo rising

6 comentários:

Unknown disse...

Maravilhoso! Muito bom!
Ufa, você voltou, e da melhor maneira possível! :)
Beijão

Unknown disse...

Sempre que passar pela sua cabeça de dar uma parada é nessa hora que você tem que correr pro computador e escrever ainda mais!

Anônimo disse...

Vou tentar seguir esse seu pedido, viu? :)

Beijos.

Anônimo disse...

hahahaha Eu tenho pedido demais, né? Mas isso é porque, além de eu mesmo gostar, eu acredito que você também gosta e quer.

Mesmo com as coisas legais, pra que elas sejam como a gente quer, nós temos que dar a nossa parte de esforço. E, vamos lá..., vale a pena, pô!

Bjão

Anônimo disse...

É claro que eu gosto, Fábio, mas às vezes é meio doloroso. Não porque esteja triste, não, mas porque não encontro as palavras, as idéias não se desenvolvem. Você sabe, você também escreve. É difícil. Teve algum poeta, talvez Manuel Bandeira, que escreveu sobre isso, sobre o horror da página em branco. Hoje em dia deveria ser o horror da tela em branco. *rs*

Mas vale a pena, claro, sempre vale.

Beijos.

Anônimo disse...

Ops... Acho que os "por ques" da segunda frase têm de ser assim, separados. :)